Nunca gostei do período carnavalesco senão para aproveitar o recesso (afinal, sou funcionário público): ler e escrever. Meio burguesinho ascético em meus papeis sociais, a multidão e os exageros sempre me aterrorizaram, mas nunca por questões morais, não, isto não!
Mas eis que, este ano, senti-me tentando à diversão, dividindo a leitura e a escrita com os “excessos da carne”. Para piorar, convidaram-me para ser jurado do Bloco da Mala, o mais popular de todos: devia analisar, com outros escolhidos, as malas dos foliões em originalidade, criatividade e beleza.
Chegou o dia, sábado à noite. Preparei-me, fiz a higiene do corpo, banhei-me de água de cheiro, pus roupa neutra, das melhores, e parti, na hora marcada, para exercer a tarefa assumida e fazer, com isenção e responsabilidade, o meu trabalho.
Na concentração do bloco, no Quadro da Igrejinha, busquei posição privilegiada. Subi em um peitoril da praça. De longe, olhar atento, observava, como se estivesse de luneta — tal um navegante numa nau em busca de novas terras —, principalmente as malas aos ombros.
Eram de todos os tipos e tamanhos. Já tinha decidido. Não bastava a mala, mas a crítica social inteligente, se tivesse claro, como era a tradição do bloco, cantada em suas músicas.
Mas, de longe, percebi, não dava para apreciar. Desci do peitoril e caminhei ao encontro dos foliões. Ah, pobre de mim, coitado!
Assumindo a posição de jurado, entrei na multidão: queria ver, de perto, não só as malas, para apreciação justa, mas também as malas sem alças carregando outras malas. Queria, também, captar nos corpos as emoções. Devia ajudar-me a decidir.
Eu fazia até pose (ora, afinal, era um dos jurados, com certo PODER de decidir..., Ah, coitado, não se enxerga não!) Mas, em dez segundos, fiquei cego! Alguém me acertou, na CARA, mancheia de maizena! De um lado, MAIZENA, do outro também. De colorido, tudo ficou branco!
Senti-me numa guerra em que eu, o inimigo, acuado diante do inesperado, caído em arapuca, era massacrado. Aí gritei, no meio da multidão, fdp, fdSessenta..., mas ninguém escutou (ainda bem!).
Ao longe, meus ex-alunos (a maioria meninas), com a mão dentro do saco... Saco com a munição!, rindo da minha cara branca, Quem diria — deviam estar pensando —, aquele professor "posista", que se acha, ali, diante de todos, só o "cu e a cachaça". Lembrei da canção Colombina: "mais de mil palhaços no salão". Aí, aí joguei tudo para o alto e entrei no inferno também... E é bom, viu? Aí, aí, meus amigos, decidi: que vença qualquer um, não me leve à mal, afinal, afinal.... é carnaval: daqui não saio, daqui ninguém me tira!
A realidade veio mais tarde. Alguém me recebeu ao portão, duas horas da manhã, com cara de quem não tinha dormido um "tinquim" de nada, olheiras, corpo arreado, peito inchado (de raiva, de quem não está acostumada àquela cena), mas com um machado à mão. Minha sorte foi... Bem, ela pensou ser assalto, não me reconheceu.
Sobrevivi, é o que importa!
Postar um comentário
Olá! Muito obrigado pelo seu comentário.