Papa Francisco durante visita à Mongólia em 2023 - Alberto PIZZOLI / AFP)
Durante
12 anos de pontificado, ele buscou voltar a instituição aos pobres e
necessitados
O papa
Francisco morreu nesta segunda-feira (21) aos 88 anos de idade. O argentino
Jorge Bergolio estava hospitalizado desde o dia 14 de fevereiro e vinha
tratando uma pneumonia bilateral. O jesuíta argentino, líder da Igreja Católica
desde 2013, passou 38 dias hospitalizado com pneumonia grave e, após receber
alta em 23 de março, parecia debilitado, embora tenha participado das
celebrações da Páscoa no domingo.
“Nesta
manhã, às 7h35 (5h35 GMT, 2h35 em Brasília), o bispo de Roma, Francisco,
retornou à casa do Pai”, anunciou o cardeal Kevin Farrell em um comunicado
publicado pelo Vaticano em seu canal do Telegram.
O
Vaticano, agora, deve decretar o cargo em vacância e o conclave que escolherá o
próximo líder da Igreja Católica só deve ocorrer após o funeral de Francisco.
Uma Igreja que vá às “periferias
espirituais”
No dia 11
de fevereiro de 2013, quando Bento 16 anunciou sua renúncia, pegou o mundo de
surpresa. Sua decisão foi talvez uma das demonstrações mais claras da crise que
a Igreja Católica estava enfrentando. Nenhum dos cardeais estava preparado
para, em apenas 30 dias, ter que escolher o novo papa.
Foi a
primeira renúncia de um sumo pontífice em 598 anos. A divulgação de uma série
de escândalos de pedofilia, conhecidos como Vatileaks, a crescente perda de fieis em
todo o mundo e uma notável dificuldade para se adaptar a muitas das
transformações da sociedade moderna haviam colocado a Santa Sé diante de uma
situação manifestamente complicada.
Em meio
àquela onda de perplexidade e desânimo, não apenas se consolidou a ideia de que
não bastava administrar a cúria romana e guiar a Igreja, mas também foi
ganhando força a convicção de que era indispensável empreender uma profunda
reforma espiritual.
Vários
nomes foram considerados na época entre os cardeais eleitores, mas no entanto,
nenhum conseguia convencer o conclave. Dos 115 cardeais eleitores, 68 haviam
participado do conclave de 2005, após a morte de João Paulo 2º. Já naquela
ocasião, Bergoglio havia sido um dos candidatos mais fortes para sucedê-lo.
Foram
muitos os motivos que favoreceram a escolha de Bergoglio entre os candidatos,
apesar de ele não ter sido a “primeira” opção entre os presentes, entre os
quais figuravam nomes como o do canadense Ouellet e o do brasileiro Scherer.
Seu
estilo de vida humilde e austero, sua proximidade com os pobres e sua atividade
como missionário, famoso por visitar frequentemente as vilas de Buenos Aires,
contrastavam fortemente com a estrutura eclesiástica tradicional. Isso, para
muitos, representava alguns dos sinais de uma necessária renovação.
Por outro
lado, naquele momento, Bergoglio já era um dos líderes religiosos mais
influentes da Igreja na América Latina e no Caribe. Ele havia presidido a
Conferência Episcopal Argentina por dois mandatos consecutivos, de 2005 a 2011,
e havia sido nomeado por Bento 16 como membro da Pontifícia Comissão para a
América Latina (CAL).
Além
disso, sua origem latino-americana desempenhou um papel muito importante. Quase
metade dos católicos do mundo é de língua espanhola, e a grande maioria vem da
América Latina, um continente onde o catolicismo vinha perdendo terreno para o
avanço do pentecostalismo.
Finalmente,
contra muitas expectativas, no dia 13 de março de 2013, Jorge Mario Bergoglio
foi eleito o 266º papa da Igreja Católica, assumindo o nome de Francisco em
homenagem a São Francisco de Assis, símbolo da pobreza e da humildade. Foi a
eleição do primeiro papa latino-americano e do primeiro jesuíta.
Seu
pontificado foi marcado pela busca de fazer com que a Igreja conseguisse “sair
de si mesma em direção às periferias existenciais”.
Em várias
ocasiões, ao se referir aos desafios internos enfrentados por Bento 16, o Papa
Francisco descreveu a cúria como “narcisista”, destacando a necessidade de a
Igreja adotar posturas menos “autorreferenciais” e assumir posições que
buscassem restabelecer diálogos e proximidades com as comunidades fora da
instituição.
‘Como
eu gostaria de ter uma Igreja que fosse pobre e para os pobres’
Desde o
início de seu pontificado, o papa Francisco apelou por uma Igreja que fosse
pobre e para os pobres. Com esse objetivo, ele enfatizou a necessidade de a
Igreja abandonar o luxo e a ostentação para alcançar os mais
necessitados.
Ele
promoveu uma série de reformas na Igreja Católica, buscando modernizar suas
estruturas e torná-la mais transparente e próxima do povo. O papa realizou
reformas nas finanças do Vaticano, com o objetivo de combater a corrupção e
garantir uma gestão mais eficiente e ética dos recursos.
Da mesma
forma, como havia feito como bispo, Francisco optou por manter um estilo mais
humilde e menos formal do que seus antecessores. Para isso, ele se mudou para a
casa de hóspedes do Vaticano em vez de se mudar para o luxuoso Palácio
Apostólico. Além disso, ele realizou missas matinais com funcionários do
Vaticano.
A ideia
de misericórdia também está no centro de sua mensagem. Em 2015, ele declarou um
Ano Jubilar da Misericórdia, enfatizando que a Igreja deve ser um “hospital de
campanha” que acolhe a todos, especialmente aqueles feridos pela vida. Sua
encíclica “Misericordiae Vultus” (O Rosto da Misericórdia) destacou que a
misericórdia está no centro do Evangelho e que a Igreja deve ser um instrumento
de perdão e reconciliação.
Dessa
forma, Francisco promoveu um cuidado pastoral inclusivo, abrindo as portas da
Igreja para pessoas divorciadas e até mesmo para membros da comunidade
LGBTQ+. Em sua encíclica Laudato Si (2015), há um chamado
urgente para cuidar da “casa comum” e abordar a crise ecológica a partir de uma
perspectiva holística que combina justiça social e sustentabilidade
ambiental.
Em Fratelli Tutti (2020), sua encíclica sobre a fraternidade universal, Francisco clamou por um novo modelo econômico baseado na solidariedade e no bem comum. Ele pediu aos governos e às empresas que priorizem o bem-estar das pessoas em detrimento do lucro e que construam um mundo mais justo e equitativo.
Terra, moradia e trabalho
O Papa
Francisco manteve relacionamento próximo e de apoio com vários movimentos
populares, especialmente os que defendem os direitos dos pobres, dos migrantes,
do meio ambiente e da justiça social. Com esse objetivo, ele organizou,
no Vaticano, uma série de reuniões com diferentes movimentos de todo o mundo.
Organizações que organizam comunidades marginalizadas, trabalhadores informais,
camponeses sem terra, catadores de lixo urbanos e indígenas, entre outros.
A
primeira reunião foi realizada em 2014 no Vaticano. Participaram representantes
de mais de 30 países. Durante seu discurso, o Papa Francisco disse:
“Solidariedade é uma palavra que nem sempre é bem aceita… mas é uma palavra que
expressa muito mais do que atos esporádicos de generosidade. É pensar e agir em
termos de comunidade, de dar prioridade à vida de todos em detrimento da
apropriação de bens por parte de alguns.”
A segunda
reunião foi realizada em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, em 2015. Mais de
1.500 líderes de movimentos sociais da América Latina e de outros continentes,
incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil.
Nesse
discurso histórico, Francisco falou sobre os “três T”: Terra, Moradia e
Trabalho, como direitos fundamentais para uma vida digna. “Esse sistema não é
mais suportável, os camponeses não aguentam mais, os trabalhadores não aguentam
mais, as comunidades não aguentam mais, a terra não aguenta mais”. Esse
discurso foi amplamente celebrado pelos movimentos sociais por seu tom
profético e seu chamado à ação.
A
terceira reunião foi realizada novamente no Vaticano em 2016. Lá, Francisco
reiterou seu apoio aos movimentos sociais e os incentivou a continuar lutando
por justiça, dizendo: “Vocês são poetas sociais: criadores de trabalho,
construtores de moradias, produtores de alimentos, especialmente para aqueles
descartados pelo mercado global”.
Durante o
quarto Encontro, em 2021, realizado em formato virtual devido à pandemia,
Francisco enfatizou a importância da solidariedade global em face da pandemia e
da crise climática. Ele disse: “Não há mudança sem luta, não há luta sem
esperança, não há esperança sem fé”.
Quem te ensinou a rezar?
Segundo o
próprio Bergoglio, a figura que mais influenciou sua infância e juventude,
especialmente sua fé católica, foi sua avó paterna, Margerita Rosa Vassallo,
que lhe contava histórias de santos. Seu impacto foi tão grande que o papa
Francisco mantinha em seu breviário uma oração que ela lhe deu e que ele lê
todos os dias. Foi sua avó Rosa que o ensinou a rezar.
Em 1957,
aos 21 anos de idade, ele decidiu se tornar sacerdote. Entrou para o seminário
e depois para o noviciado da Companhia de Jesus (jesuítas). Completou seus
estudos no juvenato jesuíta em Santiago (Chile), que na época estava sob a
direção do padre Carlos Aldunate Lyon, que mais tarde se tornaria um dos
principais promotores da Renovação Carismática no Chile.
A partir
de seu relacionamento com esses jovens, Bergoglio conheceu talvez a segunda
mulher mais influente de sua vida: a filósofa Amelia Podetti Lezcano
(1928-1979), uma das principais promotoras das “Cátedras Nacionales”, uma série
de cátedras que entre 1968 e 1972 buscavam estudar os problemas sociais
argentinos e latino-americanos, reunindo tendências peronistas, marxistas e
cristãs, que formaram um movimento de resistência à ditadura
civil-militar vigente.
“Dela eu
peguei a intuição das ‘periferias’. Ela trabalhou muito com isso”, disse o papa
Francisco em uma entrevista conduzida por Massimo Borghesi para sua biografia
intelectual de Bergoglio. Tal foi a influência de Amelia Podetti Lezcano que,
em 2006, Bergoglio escreveu o prefácio para a edição do livro de Podetti Comentário
à Introdução à Fenomenologia do Espírito.
Em uma
entrevista em maio de 2020, à pergunta “O que um papa traz quase do fim do
mundo?”, Francisco respondeu: “Lembro-me de algo que a filósofa argentina
Amelia Podetti escreveu: a realidade é melhor vista dos extremos do que do
centro. À distância, a universalidade é compreendida. É um princípio social,
filosófico e político”.
Editado por: Rodrigo Durão Coelho
FONTE: Brasil de Fato
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