Em busca do tempo perdido, extenso romance de Marcel Proust, em sete partes-volumes, foi publicada entre 1913 e 1927. É considerado uma das obras-primas da literatura mundial.
O primeiro volume, No caminho de Swann, é uma espécie de abertura da obra. Nele são
apresentados os principais personagens, o narrador, cujo nome não sabemos, uma
vez que apresenta apenas a sua família e o círculo de pessoas que frequentam a
sua casa. Mais adiante sabemos que se trata de Marcel, jovem sensível e
sofisticado.
O narrador
O
narrador ou o herói de Proust, neste primeiro volume, relata sua infância segundo suas lembranças: as férias em casa de
seus avós em Combray, pequenina cidade fictícia, seus passeios de verão, a
visita de um conhecido da família, personagem central da trama, que
impossibilita sua mãe de dar-lhe um beijo de boa noite, momento mágico e de
felicidade para o narrador, o romance de Swann, homem elegante, colecionador de
obras de arte, que cultiva o espírito com boas leituras e frequenta os melhores
salões aristocráticos de Paris, com Odette de Crécy, uma ex-cortesã, prostituta
de luxo, e seus momentos de alegria e paixão por Gilberte, filha do casal
Swann.
Tais lembranças, como que congeladas, presas, são liberadas quando num final de tarde, durante o inverno, ao retornar de um passeio, desanimado e com frio, aceita, contra os seus hábitos, uma xícara de chá com um bolinho seco, de nome Madeleine, que sua mãe propõe.
Ao colocar na boca um pouco de chá, onde molhou com um pedaço de Madeleine, sente de imediato um sobressalto, “um prazer delicioso” invadindo-o, ficando meio atônico, extasiado, feliz, imortal.
Ao final de uma busca espirituosa e cheia de
felicidades, reconhece enfim a lembrança trazida pelo gosto do chá com migalha
de Madeleine, verdadeira experiência
sensorial análoga a que tinha quando sua tia-avó oferecia as mesmas iguarias
nas manhãs de domingo antes da missa, em Combray, onde viveu sua infância.
Lembrança
Todas as lembranças, antes enterradas ou quase sepultadas pelo esquecimento, lhe descortina de súbito uma outra possibilidade de acesso ao, até então, esquecido passado.
É a partir daí que se desenrola todo o romance, uma narrativa do passado evocando as lembranças do narrador, uma busca incessante pelo tempo perdido, evocado num ato aparentemente banal.
O gosto do chá e da Madeleine
transporta o herói de Proust para um tempo desconhecido, mas apreendido apenas
no momento da narrativa, como se a sua identidade móvel, e de seus personagens,
fosse construída e incessantemente modificada conforme o transcorrer do tempo,
esse “ser” invisível, na maioria das
vezes imperceptível, mas que tem um papel central, creio, no romance proustiano.
Personagem-narrador
O personagem que narra encontra e revive todo um mundo, ou novo mundo, aparentemente esquecido, evocado por memória involuntária, no gosto de um pedaço de Madeleine com chá.
Ao contrário da memória voluntaria, a involuntária, como o acaso, para Proust, em entrevista no final do volume, permite relembrar o passado com suas cores vivas, seu charme, com alegria.
Após sentir o gosto daquela iguaria todo um mundo formado por jardins, paisagens, momentos, seres esquecidos se configuram ou ganham contornos aos seus olhos, levando o herói a narrá-los, bem ao seu estilo, em pormenores.
Ler Proust é entrar em contato com uma “psicologia do
espaço”. É aprender a dar voltas em torno de temas, lugares e seus personagens.
Ora eles aparecem como pano de fundo, ora em destaque.
Como mostra Jeanne-Marie Gangnebin, o romance de Proust pode ser lido como um texto que se inscreve na tradição, tanto filosófica quanto literária, da autorreflexão do sujeito, em sua reflexão sobre si, mais especificamente, e sua atividade de fala.
Parece
que a beleza do texto — a construção narrativa, longas descrições, elegante
escrita e temas — é mais importante do que o próprio enredo. Este, parece, é de
somenos importância: importa perder-se, divagar nas longas descrições, nas
lembranças do passado, uma forma de reencontrá-lo, revivê-lo, retomar o tempo
perdido ou imaginá-lo. Narrados, ganham força, são ressignificado, revividos.
Personagens
Os personagens de Proust não são os mesmos do início ao fim do romance e nem eles enxergam o mundo sempre da mesma forma. Mudam ao longo do tempo, precisamente porque suas relações mudam.
Para Swann, quando está apaixonada por Odette, por exemplo, o mundo lhe parece um lugar bem melhor, mas quando passa a desconfiar da infidelidade dela, o enxerga com outros olhos, e passa a encará-lo como um lugar não tão bom assim para se viver.
Parece haver, pelo menos no primeiro
volume, dois temas ou subtemas: as mudanças dos personagens ao longo do tempo e
a mudança de percepção do mundo segundo o estado de espírito das personagens. E
há, creio, pelo menos dois planos: a história do herói, em sua infância, e a
história do amor de Swann por Odette.
O tempo
Para Proust, assim como para santo Agostinho, o tempo não é algo fixo, mas percebido, sentido, vivido, só apreendido na alma. Da mesma forma, o espaço, para ele, não é físico, geográfico, mas carregado de sentidos, simbolismo, psicologia e sentimento: “Os lugares que conhecemos não pertencem tampouco ao mundo do espaço, onde os situamos para maior felicidade. Não eram mais que uma delgada fatia no meio de impressões contíguas que formavam a nossa vida de então; a recordação de certa imagem não é senão saúde de certo instante; e as casas, os caminhos, as avenidas são fugitivos, infelizmente, como os anos”. (P. 508).
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