O samba é preto, macumba. E o Carnaval é político, sim! - Por Plínio Teodoro

O passista Flavio Lopes, o Flavim Dance, "cria" que será coroado no desfile da Mangueira em homenagem ao povo Banto. Créditos: Thaís Brum / Instagram


Críticos da negritude nos enredos devem estudar cultura afro ou recolherem-se à sua ignorância e insignificância

Por Plinio Teodoro

Críticas aos enredos das escolas de samba, especialmente àquelas do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Dez das doze agremiações da elite do carnaval fluminense levarão à Sapucaí enredos que remetem a história negra no Brasil, à sua religiosidade e às origens na diáspora africana durante séculos de escravização branca.

Primeiramente, é importante ressaltar que o Carnaval, alvo de um preconceito ignorante de nichos neopentecostais e ultraconservadores católicos, é uma festa cristã, instituída pelo Papa São Gregório Magno na virada do século VI para o VII para instituir o "carne vale" - o "adeus à carne" - antes do jejum da Quaresma.

Séculos depois, com o fim da escravização no Brasil, os negros empurrados para os morros da capital Rio de Janeiro transformaram o Carnaval e o samba - do kimbundo semba, a "umbigada" das danças de roda na região da atual Angola - em um foco de resistência cultural e política. O samba torna-se, então, cura das escaras centenárias de um povo tirado de sua terra de origem para ser submetido ao trabalho forçado, torturado e assassinado.

À época, com o advento da República, o projeto da burguesia era tornar o Brasil "branco" até 1950, apagando quaisquer traços da cultura negra.

Foi João do Rio, um jornalista negro, quem à época registrou essas manifestações culturais que estão na origem do samba, duramente perseguido pela Lei da Vadiagem, criada pela burguesia para encarcerar músicos e poetas que se reuniam nas ruas.

As escolas de samba, formadas a partir do início do século XX, competiram pela primeira vez em desfile em 1932. Um ano depois, o grupo Globo assumiu a festa e instituiu que as escolas de samba só poderiam falar da História do Brasil a partir de uma visão branca.

Luiz Antônio Simas, uma das maiores autoridades da História popular brasileira, lembra que só em 1953 o primeiro orixá - Iemanjá - apareceu em um samba-enredo. E em 1960, quando o Império Serrano falou em Zumbi dos Palmares, toda a história do maior quilombo do país se encontrava fora dos livros didáticos.

Quem diz que os enredos que falam da negritude são todos iguais - alô Paulo Barros! - revela sua vasta ignorância sobre o processo de tentativa de calar um cultura riquíssima, linda e que tem muito a ensinar ao Brasil e ao ódio desenfreado nas redes.

Além disso, são temas extremamente atuais. A Mangueira, que conta a história do povo Banto, canta em seus versos sobre o "alvo que a bala insiste em achar/ Lamento informar/ Um sobrevivente" na semana em que o estudante negro Igor Melo de Carvalho, de 31 anos, foi baleado nas costas pela polícia quando voltava para casa de mototáxi. Lamento informar aos preconceituosos, ele é mais um sobrevivente.

No próprio enredo, a Estação Primeira fala da "Flor da Terra", como era conhecido o "Cemitério dos pretos novos", onde se enterraram nus e sem ritos sagrados aqueles que morriam após a entrada dos navios na Baía de Guanabara. 

Já o Salgueiro entrará na avenida "de corpo fechado" para exaltar Exu e as entidades que abrem os caminhos nas ruas da vadiagem e são tratados pejorativamente por cristãos como "diabos" - algo que inexiste na religiosidade africana, que não "terceiriza" as responsabilidades que são estritamente humanas.

Assim como o troglodita Victor Belfort, ao lado da "feiticeira" Joana Prado, se tremeu de medo da "macumba", outro termo pejorativo usado para atacar as religiões afro - e que na verdade refere-se apenas a um instrumento musical criado no Congo, semelhante ao ganzá.

Paraiso da Tuiuti contará a história de Xica Manicongo, trazida do Congo no século XVI onde não havia preconceito de gênero e era uma rainha. No Brasil, onde é considerada a primeira mulher trans, não aceitava usar trajes masculinos e por isso foi covardemente espancada e sentenciada à pena de morte pelo Tribunal do Santo Ofício, um órgão cristão ligado à inquisição católica.

Por fim, entre tantos outros enredos não citados para não me estender infinitamente - e não por ter menos importância -, a Portela levará para a avenida o "preto rei" Milton Nascimento, em um desagravo sagrado no templo do samba após o desprezo à "voz de Deus" no prêmio pop estadunidense Grammy.

O samba é preto, macumba. E, sim, o Carnaval é sobretudo um ato político, de resistência diante do recrudescimento da opressão burguesa que data de séculos.

O samba é, sobretudo, a cura para as feridas seculares do Brasil, que só se tornará realmente livre quando entender que a alegria e o amor são revolucionários. E tudo isso é ensinado pela cultura negra.

O Brasil precisa de um grande abraço negro, de um sorriso negro. Não precisa de mais ódio e ignorância de pessoas que desconhecem a própria origem da nação e deveriam se recolher à sua insignificância. Estudem!

Que Exu, com Salgueiro na Sapucaí, abra os caminhos.


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