A arte tem grande poder. Diz sem dizer, fala sem falar. Mostra de maneira às vezes sutil, outras vezes explícita, como no caso da charge acima, publicada em um meio de comunicação da grande mídia.
Faz
interpretação de fatos recentes. O primeiro deles, a declaração de Tarcísio de
Freitas (Republicanos), governador de São Paulo que, discursando para os
representantes do mercado, a elite endinheirada, aquele 1% da população a
concentrar 63% da riqueza do país, criticou o projeto de lei da Isenção de Imposto
de Renda para quem ganha até 5 mil reais por mês, a maior parcela da população
brasileira.
Tarcísio de Freitas (Republicanos). Governador de São Paulo |
O
segundo, refere-se ao áudio vazado de um senador bolsonarista, Ciro Nogueira
(PP-PI), confabulando com os mesmos representantes do mercado — os empresários
da Faria Lima, avenida de São Paulo que representa
o mercado financeiro — como desestabilizar o atual governo e mudar, no
Congresso Nacional, o Projeto de Lei do IR, com o objetivo de diminuir a
taxação sobre a fortuna dos ricos.
![]() |
Ciro Nogueira (PP-PI) - Senador |
Referia-se ao fato de que, ao isentar aqueles que ganham até 5 mil reais (90% dos brasileiros) por mês, o governo, para compensar a perda de arrecadação no valor de 25,8 bilhões, propõe taxar aqueles que ganham a partir 600 mil reais por ano (ou 50 mil reais por mês, ou meros 0,06% da população), com impostos progressivos que podem chegar até 10%.
Há explicação
para que governadores e parlamentares sejam contra tal projeto? O que faz
alguém que, no discurso, diz ser a favor da diminuição de impostos para a
favorecer os mais pobres e, neste caso, é contra?
É que, amigos, muitos políticos simplesmente não estão a favor dos interesses populares, dos mais necessitados, mas de seus projetos políticos e negócios, atuam para defender o mercado financeiro, banqueiros e industriais, os mesmos que, numa troca de favores, financiam, por baixo do pano, suas campanhas eleitorais, que os compram com “presentinhos”, viagens, uísque e vinhos caros, lhes pagam palestras a preço salgado e outras vantagens, drenando os recursos do Estado para os poderosos.
A explicação, no
entanto, não é, assim, tão superficial, é bem mais profunda: tentemos
desvendá-la, se é possível resumir em poucas palavras toda a história da nação.
De 1500 até 1808
a maior parte das riquezas do Brasil (então Colônia de exploração) era drenada
para Portugal (Metrópole). Depois de 1808, e mais ainda com a Independência do
Brasil, em 1822, a exploração passou das mãos do colonizador, o português, para
as mãos da elite nacional (luso-brasileira), quem, de fato, fez a ruptura
política (grandes proprietários de terra, donos de escravos e exportadores), e
manteve toda a estrutura socioeconômica do período anterior.
O erário
(recursos públicos) era apropriado como coisa particular por aqueles que
governavam, casta diminuta. E isso, na lógica patrimonialista, nem era tido
como corrupção. Foi assim — deixemos o Império de lado —, em resumo e simplificando
muito, até 1930, quando, brigas no núcleo do poder e crises econômicas, como a
de 1929, racharam o consenso.
Ascendeu ao poder
Getúlio Vargas. Adotou política diferente, apenas um pouco diferente. Não
negligenciando a antiga elite, governando para ela, ainda — e não era ele um
grande latifundiário, estancieiro do Sul do país? —, ousou usar o Estado também
para favorecer outros grupos, dentre eles os trabalhadores, força importante
com o processo de industrialização e urbanização incipientes.
Era preciso
trazer para o seu apoio a classe operária e os grupos intermediários nascentes,
a classe média, para fazer frente aos seus antigos companheiros, gente muito
poderosa.
Com isso, Vargas
mantinha-se no poder com os dois pratos da balança equilibrados. Favorecia, ao
mesmo tempo, os dois setores, e, habilidoso, negociava trazendo, para o seu
lado, industriais e trabalhadores, ruralistas e atores urbanos.
Ensejou um
processo de industrialização arrojado, transformado o Estado em instrumento de
promoção do crescimento econômico, criando uma indústria de base —cara e de
pouco retorno financeiro —, a infraestrutura.
Mas, mesmo assim,
a elite, aquela que sempre tivera o Estado só para si, quis retomá-lo: não
aceitava que parte dos recursos fosse drenado do Estado — sempre seu — para os
mais pobres. Que ousadia distribuir benesses para pobres, pretos e mestiços?
Gente formada por uma “raça inferior”, descendente de escravos, que só serve
como animais de carga, para limpar chão, fazer trabalho braçal, explorada
sempre?
A partir daí
teremos dois projetos políticos importantes: um conservador, que sempre
comandou o país, arredio a qualquer reforma, e outro mais inclusivo e
reformista, olhando para os de baixo.
Sem força para
derrubar Getúlio Vargas do poder, aquela elite teve de inventar um mito, uma
mentira, conjunto de ideias para convencer a todos de que Getúlio Vargas, e
aqueles cujas propostas eram inclusivas, dali para frente, ao apossar-se do
Estado, eram e seriam sempre corruptos.
Criou-se, então,
a fantasia da corrupção do Estado apenas quando governado por líderes
progressistas, aqueles cujas propostas visavam, também, atingir a massa de miseráveis,
ainda na escravidão, apenas com novas máscaras, despossuídos e humilhados desde
o início, gente herdeira da servidão abjeta.
A elite branca e cristã,
de origem europeia, “superior racialmente”, formada pelos “melhores” no sentido
aristocrático do termo, fundadora do Brasil era, na verdade, honesta. Era o que
defendia o discurso, mais falso do que uma nota de trinta reais.
Era ter alguém à
frente do Estado, com propostas inclusivas, voltadas para pobres, pretos e
mestiços, para ser logo desestabilizado e varrido do poder por um golpe,
apoiado pelo povão, convencido de que os líderes populares eram os verdadeiros
corruptos.
A imprensa,
financiada pelos industriais e pelo mercado financeiro, tinha o papel honroso de,
com narrativa mentirosa, esconder, como brasa entre as cinzas, a dominação da
elite — pois que ela mesma era parte disso —, e as reais causas da miséria,
convencer um país inteiro, pela repetição, inverdade dita mil vezes, sobre
aquela fantasia.
Uma vez fertilizando
o terreno, convencido as bestas, pela mídia, da mentira escabrosa, era só
colocar como candidato uma mula, que o povo, enganado, elegia, isto quando o
cenário era democrático ou pelos menos existiam eleições populares.
Ah, o mercado
financeiro e os poderosos não estão nem aí se essa bosta descamba para uma
ditadura, se um fascista irá assumir o poder, contanto que mantenha seus privilégios,
governe para o seu bolso. Um jumento, do lado deles, é melhor que o
progressista filho da... mãe (censura é foda!) quando pensa em gente humilde.
Que o pobre — “gente nojenta”, “baixa” — se dane!
O suicídio de
Vargas, em 1954, adiou o golpe em dez anos. Em 1964, 31 de março, o governo
“populista” e reformista de João Goulart foi deposto, atacado por todos os
lados, com o discurso fantasioso de que ele adotaria, no Brasil, o comunismo
(os EUA financiaram o golpe para manter os interesses das empresas americanas
aqui e não permitir o “fim da propriedade privada”, sacrossanta para a
burguesia).
A elite, outra
vez, voltou ao poder. O momento em que mais a desigualdade social e econômica,
a distância entre pobres e ricos, se acentuou foi entre 1964 e 1985, na
Ditadura Militar. Sim, foi uma ditadura, seu merda!
Os governos Sarney (1985-1989), com a redemocratização, continuador da política do
período anterior, Fernando Collor de Mello (1990-1992), Itamar Franco
(1993-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
— este menos que os outros — barraram reformas no sentido de diminuir o fosso
entre ricos e pobres. Governaram para o mercado, para os bancos, para a elite. Nada
de novo no front.
Caso Luiz Inácio
Lula da Silva não fosse estadista e político sagaz, como Vargas foi, teria sido
varrido do governo, tal sua sucessora — que ousou enfrentar os poderosos e o
mercado —, Dilma Rousseff. Tentaram derrubá-lo de todo jeito, mas, a oposição, sem
base no congresso, não teve chance, como tentaram recentemente, outra vez, mais
um golpe.
A questão é: toda
vez que um governo inclusivo dirige o Brasil e o usa parte dos recursos para
favorecer os de baixo, mentiras afloram, vendidas como verdades, de que a
corrupção é o maior problema do Estado (e só quando está nas mãos de
progressistas ou reformistas, sim, o PT, no poder, é de centro-esquerda!,
reformista, jogo também o jogo do mercado).
Convence-se parte
da população de que o campo político é uma disputa entre Bem e Mal, Deus e o
Diabo, honestos e desonestos, espírito e corpo, explicação novelesca, simplista,
infantilmente irritante, mas que agrega. E não é assim que os tolos imaginam o
mundo? É preciso criar um inimigo, alguém odiar e colocar a culpa pelo fracasso
do pobre, escondendo as reais causas da miséria. Isso junta gente.
E quem é o mal? Quem
é o inimigo? Sempre os governos que ousam enfrentar a elite saqueadora do
erário. Que sempre roubaram, mas esconderam de te isso!
Para esconder o
fato de eles, os poderosos — que sempre governaram o país, saquearam o erário
para favorecer poucos — ela mesma cria e repete, com notícias falsas, uma série
de bobagens sem pé nem cabeça. Esse papel hoje está, principalmente, nas mãos
das milícias digitais.
Entendendo como a
população, de viés conservador, é sensível às questões de moralidade (falsa
moralidade, na verdade), inventam esse negócio de ideologia de gênero, aborto,
feminismo, doutrinação nas escolas, Deus, Pátria e Família, macumba como coisa
do demônio, religião africana como coisa do mal, e outras baboseiras, fogos de
palha apenas para desviar o foco do que importa e angariar apoio para seu
projeto de exclusão social.
Convencem a
população ignorante, com pouco ou nenhum conhecimento de como funciona o mundo
social, que o mercado — que te rouba — é honesto e o Estado, quando nas mãos
dos adversários, é corrupto; que o mercado é eficiente e o Estado não sabe administrar;
que direitos trabalhistas emperram o desenvolvimento do país; que é preciso diminuir
os direitos sociais para a economia crescer e gerar mais empregos, acabar com
os sindicatos, terceirizar e privatizar tudo!
Ah, o
neoliberalismo, esta entidade a serviço do mercado e contra o “Estado
gastador”. Querem as empresas lucrativas, do Estado, só para eles!
Ah, é tudo o que
o mercado quer, saqueador dos recursos da sociedade, e dentro da legalidade jurídica.
O que essa “gente graúda” sempre quis, pousando de honesta, é roubar, roubar
sempre, enquanto a população trabalha, na semiescravidão, ganhando miséria, para
enricá-la sempre mais.
É assim que se
convence parte dos pretos, pobres e mestiços, que estão na base da pirâmide
social, a apoiar projeto das elites contra eles mesmos e em desfavor daqueles
que lutam pelos interesses deles. Apoiam quem tem discurso contra a escola e
saúde pública, contra a universidade pública, contra as empresas públicas,
contra tudo a serviço do pobre!
Taxar ricos,
entre nós, e diminuir impostos incidindo sobre os de baixo, é sacrilégio,
diminuir os lucros do mercado em detrimento dos pobres é excrecência. Essa
elite não está disposta a contribuir com um centavo sequer para a justiça
social. Quais são mesmo as causas da violência urbana senão essa ordem de
coisas escrota?
A elite quer
continuar saqueando os cofres públicos, enganando a população com um conjunto
de ideias mentirosas, mas que convencem os de baixo a atacar aqueles que defendem
seus interesses.
O que faz é botar
no teu traseiro, e sem cuspe (podia pelo menos comprar uma pomadinha, né, e não
tem direito, ainda que roubado?). Mas, aliviar para quê? Que pobre se exploda,
como dizia personagem do Chico Anísio.
As ideias, amigo,
são inventadas, por essa gente, apenas para esconder a realidade. E um exército
de beneficiários do saque sai a campo todo dia para te convencer da farsa!
E você,
miserável, fodido do caramba, apoiando o teu algoz, pousando de intelectual,
achando ter a verdade mentirosa, repetindo jargões estapafúrdios, tão rasos
quanto o bojo da bila (bola de gude): te enganam direitinho!
Entende, agora, por que são contra os programas sociais? Entende, sua besta quadrada, por que essa gente é contra taxar ricos? Quer tudo para ela, nada para pobre.
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