Todos
sabemos que a extrema direita, desde a vitória de Bolsonaro em 2018, assumiu a
hegemonia no campo das forças conservadoras
Juliano
Medeiros*
Essa semana foi anunciada com
estardalhaço a formação da federação entre União Brasil e
Partido Progressista, duas das maiores legendas da direita oligárquica
brasileira. Os partidos têm origem comum: o PP é o antigo PDS, Partido
Democrático Social, criado a partir da ARENA, a legenda oficial da Ditadura
Militar; já o União Brasil foi criado recentemente unindo o Democratas – antigo
PFL, oriundo da mesma ARENA – e o PSL, partido que abrigou Bolsonaro e as
viúvas do regime militar nas eleições de 2018.
Mas a reunificação, 45 anos
depois, dos partidos cuja origem remonta a uma das experiências mais violentas
e autoritárias da história brasileira, não é por si só digna de todo o barulho,
justificado pelo fato da nova federação reunir, a partir de agora, o maior
grupo parlamentar do Congresso Nacional, com 109 deputados e 14 senadores.
Na verdade, o interesse em torno
da nova federação tem outra razão. Todos sabemos que a extrema direita, desde a
vitória de Bolsonaro em
2018, assumiu a hegemonia no campo das forças conservadoras. Embora mantenha o
maior bloco parlamentar no Congresso – o chamado “Centrão” – a velha direita
oligárquica tornou-se caudatária do radicalismo extremista, incapaz que tem
sido de apresentar um projeto para o país com capacidade de agregar parte
relevante da sociedade. É verdade que novas forças de direita como PSD e MDB
seguem tendo peso eleitoral, mas a liderança política e social na direita é do
bolsonarismo.
Esse fenômeno, no entanto, gerou
dois problemas para essa velha direita. O primeiro é tornar-se refém de uma
personalidade como Bolsonaro. Além de ser uma liderança outsider do baixo clero
da direita, o ex-presidente tem um projeto de poder próprio, mais alinhado à
agenda da extrema direita global que aos interesses corporativos e imediatistas
da direita oligárquica. Como liderança carismática, Bolsonaro interdita o
surgimento de novos nomes e assume um peso desproporcional na direção do campo
conservador.
O segundo problema tem a ver com
as tensões dentro dos setores mais moderados da direita, que acabam fugindo ao
controle e se movimentando rumo ao lulismo, especialmente nas regiões Norte e
Nordeste. Além disso, parte da direita liberal simplesmente não engole
Bolsonaro e sonha com um projeto de tipo europeu – a tal “terceira via” –
liderada por um “Macron brasileiro” ou algo do tipo.
O paradoxo da velha direita
oligárquica é esse: bolsonarizar-se definitivamente ou lutar para retomar a
hegemonia de seu campo, perdida pelo PSDB quase uma década atrás. Mas porque
uma nova federação agora? A primeira razão não poderia ser mais fúnebre. Além
da inelegibilidade, a situação de saúde de Bolsonaro parece cada vez mais
complicada.
Diante das indefinições sobre seu
futuro, a velha direita se antecipa antes que Michele ou Eduardo Bolsonaro se
lancem como sucessores naturais do líder da extrema direita. A segunda razão é
mais pragmática. Para convencer Tarcísio de Freitas a encampar uma candidatura
presidencial, a direita oligárquica deve mostrar que pode prescindir do
bolsonarismo.
A questão, porém, é que embora
Tarcísio seja visto como mais moderado que Bolsonaro e a velha direita seja
vista como mais previsível que a direita radical, a verdade é que o bloco
PP-União tem a mesma origem autoritária, violenta e elitista do bolsonarismo.
Ambos expressam o desejo de frear o impulso democrático que o Brasil vive desde
os anos 1980 e voltar aos anos de dominação violenta sobre os que vivem do
trabalho. É como se estivéssemos revivendo o conflito entre “linha dura” e
“moderados” dentro da ARENA. O Brasil não tem nada a ganhar com essa disputa,
qualquer que seja o resultado.
O mercado, com a força política e
o discurso liberal da nova federação, que tem os ex-bolsonaristas Arthur Lira e
Ciro Nogueira como nomes de proa, torce secretamente – ou nem tanto – para que
as velhas raposas do Centrão retomem as rédeas da direita e tragam a
“normalidade” de volta. Só faltou combinar com os quase 15% de radicais de
extrema direita que não parecem dispostos a retroceder em sua guerra santa
contra o comunismo.
*Juliano Medeiros é Historiador, Cientista Político, professor convidado da FESPSP, presidente do Conselho Consultivo do Instituto Futuro e ex-presidente do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL (2017-2023).
FONTE: ICL
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