O Mal-Estar na “Civilização” nas Redes Sociais

 


Por: 
Leomir Melo - Filósofo, Psicanalista e Hipnoterapeuta

O conceito de "mal-estar na civilização", desenvolvido por Sigmund Freud (1930) em sua obra homônima, refere-se ao sofrimento inerente à vida humana nas sociedades organizadas. Freud argumenta que a civilização, ao estabelecer normas e restrições, gera um conflito entre os desejos e impulsos individuais e as demandas da convivência social. A repressão desses impulsos cria uma tensão psicológica que, para Freud, é a principal fonte do mal-estar humano.

No contexto contemporâneo, o conceito de mal-estar na civilização ganha uma nova dimensão quando analisado à luz das redes sociais. Estas plataformas, que têm se tornado um dos principais meios de interação e comunicação no mundo moderno, apresentam uma série de paradoxos que exacerbam a experiência de sofrimento e desconforto entre os indivíduos.

Uma das principais características das redes sociais é a ênfase na construção e exposição de uma imagem pública. As pessoas frequentemente se apresentam de maneira idealizada, filtrando suas experiências e criando versões cuidadosamente editadas de suas vidas. Essa constante comparação com os outros, alimentada pela visibilidade e pelas reações que cada postagem gera, gera um ambiente onde a autoestima e a identidade dos indivíduos se tornam frágeis. A necessidade de aprovação externa, medida por curtidas, comentários e seguidores, cria uma dependência emocional que pode levar ao sofrimento psicológico, ansiedade e depressão.

Esse fenômeno pode ser comparado ao conceito freudiano de repressão. A idealização de si mesmo nas redes sociais, frequentemente dissociada da realidade, exige uma repressão dos impulsos mais autênticos, resultando em uma tensão interna. O sujeito se vê dividido entre seu verdadeiro eu e a imagem que precisa projetar para ser aceito socialmente.

As redes sociais são plataformas que alimentam constantemente a busca por validação. A cultura do "like", que se tornou central nas interações online, reforça uma dinâmica em que a quantidade de curtidas e a visibilidade pública determinam, em grande medida, o valor social do indivíduo. Esse ciclo de aprovação externa pode gerar um mal-estar significativo, uma vez que as pessoas passam a medir sua autoestima pela aceitação dos outros. O retorno simbólico das curtidas, em vez de oferecer uma sensação de gratificação genuína, muitas vezes serve como um lembrete da superficialidade das relações virtuais e do vazio existencial que acompanha a busca por validação.

Freud também aponta que a civilização impõe limitações aos desejos humanos, e as redes sociais, por sua vez, impõem uma "censura" à expressão genuína, que é substituída por um espetáculo que visa agradar e gerar reconhecimento. O mal-estar que surge dessa constante busca pela perfeição digital pode ser comparado à repressão das necessidades reais e ao distanciamento da autenticidade emocional.

Outro aspecto relevante para o mal-estar na civilização contemporânea nas redes sociais é o paradoxo do isolamento social. Embora as redes sociais permitam uma conectividade global, elas frequentemente criam um distanciamento emocional entre as pessoas. A interação digital, muitas vezes impessoal e superficial, pode resultar em uma sensação de solidão e desconexão, mesmo no meio de uma infinidade de interações online.

Esse isolamento é agravado pela pressão constante para estar sempre "disponível" e "conectado". A ansiedade relacionada à expectativa de resposta rápida, a sensação de estar sendo constantemente observado e o medo de exclusão social nas plataformas digitais geram um mal-estar psicológico que lembra o dilema freudiano da civilização: a incapacidade de satisfazer plenamente os desejos humanos dentro dos limites impostos pela sociedade.

O mal-estar na civilização, conforme descrito por Freud, tem novas e complexas manifestações nas redes sociais. A constante tensão entre os desejos individuais e as demandas sociais, a repressão da autenticidade em favor da imagem pública, e o isolamento emocional causado pela superficialidade das interações digitais são aspectos que geram um sofrimento moderno.

No entanto, é importante destacar que as redes sociais também oferecem possibilidades de conexão, aprendizado e expressão. A chave para mitigar o mal-estar digital pode estar na busca por um uso mais consciente e equilibrado dessas plataformas, permitindo que as redes sociais cumpram seu papel de aproximar as pessoas, sem que isso leve à alienação emocional ou à sobrecarga psicológica.

Em última instância, o mal-estar nas redes sociais reflete uma condição mais ampla da civilização contemporânea, marcada pela tensão entre o desejo de ser livre e autêntico e as pressões e normas impostas pela sociedade.

POSTAR UM COMENTÁRIO

Olá! Muito obrigado pelo seu comentário.

Postagem Anterior Próxima Postagem
header ads