Por Vitorino Farias
Em 1914 a cidade de Ipu foi palco de um dos mais atrozes episódios de sua história. Conhecido como “O caso de Ipu”, o fato revela as disputas e embates políticos da época na Terra de Iracema.
As grandes vítimas foram os membros da “oligarquia” dos Martins, com destaque para os espetáculos chocantes vividos pelo destemido e lendário Cel. João Martins da Jaçanã. Em quatro capítulos, e baseado em fontes históricas, contamos o fato e interpretamos o episódio.
Ataque
Eram quase cinco horas da manhã do dia 9 de dezembro. O ano? 1914. Cerca de cinco policiais e alguns “capangas” armados esperavam na Estação Ferroviária desde às três da madrugada a chegada à cidade do destemido cel. João Martins da Jaçanã, com seus “jagunços”.
Os policiais usavam como escudo os inúmeros fardos de algodão — da firma J. Lourenço & Cia — que aguardavam a chegada do trem na gare da Estação para o seu embarque até o porto de Camocim. Estavam exaustos por uma noite mal dormida. Resolvem ir embora. A notícia de que o coronel invadiria a cidade com seu bando não passava de um boato, pensavam.
João Martins morava em sua fazenda, Jaçanã, distante 6 quilómetros da sede do município. Irmão do líder político local, coronel Felix Martins, estava insatisfeito, furioso e “botando fumaça pelas ventas”, afinal no dia anterior policiais que vieram da região do Cariri, “afilhados do Padre Cícero”, haviam dado uma surra em seu sobrinho, o capitão Osório Martins, dentro do estabelecimento comercial — Farias & Martins — em que era sócio, no mercado público.
Como membro da extensa família dos Martins e que dominara a política local desde a montagem da oligarquia aciolina a partir de 1896, estivera acostumado a sentir o gosto do poder.
Ninguém seria capaz de afrontá-lo, a seus familiares e agregados, sob pena de levar uma surra corretiva ou passar alguns dias nada agradáveis na cadeia pública.
O Ipu, pode-se dizer, “pertencia aos Martins”. O juiz, o promotor, o delegado e todos os principais postos de mando estavam em suas mãos e ai daquele que se metesse com um deles, o cemitério, antes do tempo, seria sua morada eterna.
1914
Mas, em 1914 os Martins perderam o poder e passaram a ser perseguidos pelo Governo do Estado. Durante o governo de Benjamin Liberato Barroso foi empreendida verdadeira escalada contra os grupos de jagunços sob a chefia dos coronéis, principalmente da região do Cariri, para onde foi enviada numerosa força militar com recomendações de eliminar todos os “bandidos”: “Não poupe bandidos. Execute-os sumariamente”, havia dito o governo do Estado.
Para o Ipu, agitado naquele momento, o mesmo remédio fora recomendado. Só assim se explica a intensa perseguição ao coronel João Martins da Jaçanã e, de um modo geral, aos Martins de Ipu, que tiveram de fugir para não serem alvo de atrocidades.
Porém, o episódio que comecei descrevendo é um pouco anterior. Deixemos para a segunda parte a perseguição aos Martins.
O Cenário
Insatisfeito com a perda do poder e se sentido humilhado pela surra dada por policiais em seu sobrinho, o coronel não pensara duas vezes. enfermo, invadiria a cidade, atacaria a cadeia, exterminaria os policiais se possível e libertaria seu sobrinho da suposta prisão. Mostraria a todos quem tinha o poder de fato. Preferia morrer a se submeter à “justiça”.
Passageiros e transeuntes, aguardando a chegada do trem das 6h na Estação avistaram ao longe uma multidão. Avançavam a passos largos pela rua Boulevard Dr. João Pessoa, hoje Avenida Auton Aragão — ou “rua dos Canudos”.
Eram cinquenta homens, dos quais trinta montados. À frente o lendário e destemido coronel João Martins com cara de poucos amigos. Vinha bufando, literalmente, com sede de sangue e pronto a vingar-se da humilhação sofrida.
O relógio marcava pouco mais de cinco da manhã. Os policiais já não se encontravam mais ali. Tomavam café no “quartel” (cadeia), no prédio da Casa de Câmara (antiga prefeitura), no pavimento inferior. Riam, se divertiam e comentavam: “esse tal coronel não é tão valente quanto pinta o Diabo; “deve ser um borra-botas”; “ele que venha, tenho bala sobrando!”.
Na Estação, o Coronel e seu bando cortaram os fios do telégrafo deixando a localidade sem comunicação com outros municípios, visando impedir pedidos de reforços.
Avançaram pela atual rua Coronel Felix em direção à cadeia. Pretendiam cercá-la por todos os lados, mas os planos foram por água abaixo quando um tal Jandaia Passos — que passara a noite bebendo, talvez no Curral do Açougue (Cabaré), se divertindo com as “cutruvias”, gritara: “Se aprontem pra morrer, cachorros!”.
Foi o bastante para alertar os policiais. Assombrados, como se tivessem visto o Coisa-ruim, abriram fogo contra o bando preparado “para o bote”. Nos rostos dos policiais, assombro. Iriam conhecer a fúria e o poder de fogo do coronel!
Das cinco às nove da manhã do dia nove de dezembro de 1914 ficou a cidade sob fogo cerrado dos “jagunços fardados” e dos “capangas” de João Martins da Jaçanã. O Mercado, abrindo as portas, fechou-as encerrando em seu interior aqueles que ali estavam.
Continua...
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