Máscara Trágica - Romance

 


Máscara trágica, romance de Vitorino Farias, com pouco mais de um ano de seu lançamento, está com tiragem praticamente esgotada. Sucesso de vendas, tem o grande mérito de propor enredo cujo palco é a cidade de Ipu em seu momento áureo, de crescimento econômico.

Com personagens fortes, enredo intrigante e instigante, embora prosa longa, foi tecido como uma poética. É um marco, obra que abre novas e surpreendentes perspectivas para a literatura local, regional e, por que não, cearense.

Outro de seus méritos foi apresentar um interior de fartura, onde se pensar e produz, onde havia “civilização", fugindo dos estereótipos do sertão da seca, do cangaceiro e da violência, do pedinte e do homem bronco, do beato, tão característico do romance regionalista da década de 1930.

Diferente do sertão de Raquel de Queiroz, de José Lins do Rego e de Graciliano Ramos, o espaço apresentado por Vitorino Farias em Máscara Trágica é outro, onde há intelectualidade, arte, poética, saber, e conflitos, claro, enigmas, suspense também.


Eu te devoro

Tela do artista plástico Eduardo de Sousa, camocinense.


Máscara trágica é um daqueles romances que, começada a leitura, queremos logo devorá-lo por completo. A história se passa na charmosa urbe do “sertão”, na Terra de Iracema. 

Tem como personagens centrais o Velho Thomaz, simpático, sábio e erudito, e Antônio, um garoto pobre que, aparentemente por generosidade de seu benfeitor, consegue concluir o ensino secundário e cursar direito na conceituada Faculdade de Direito de Recife, privilégio dos abastados e homens poderosos do período. 

O enredo é tecido como quem entrelaça pacientemente os fios numa roca até compor a trama. O enredamento, isto é, o encadeamento das ações, está de tal forma emaranhado a ponto de os sentidos por trás dele nos causar emoções. Como uma rede pacientemente urdida, nos prende, nos colhe num ardil ou armadilha de onde não é possível fugir. 

Tela do artista plástico Chagas Albuquerque, de Camocim


Há, na trama, duas histórias entrelaçadas. Uma, a mais significativa, aquela dos dramas vividos por Antônio e o Velho Thomaz, a outra, eivada de suspense, fala do mistério da morte de Badaró, melhor amigo de Antônio. Quem o matou e por quê? A segunda história parece apenas mascarar aquilo que é mais importante: as vidas trágicas do Velho e de seu pupilo, dignas da tragédia clássica.

O que mais nos causa comoção são as voltas e reviravoltas constantes: quando as coisas parecem se encaminhar para um final desejado, isto é, quando a felicidade parece tomar conta dos personagens, o infortúnio os atinge de forma implacável. Nesse ponto, a trama deve muito à tragédia grega, sobretudo a Sófocles. 

O dramaturgo grego partia da perspectiva de que é exatamente no momento de plenitude, sempre fugaz, passageiro, efêmero, que a flecha envenenada nos é atirada. Os personagens sofoclianos, diante do infortúnio, têm de encontrar uma solução honrosa.

É assim que Antônio, uma espécie de herói trágico moderno, entre decidir-se pelo Héracles euripidiane — que enfrenta os deuses, foge da convenção, encara a necessidade, a fortuna (Tyche), sobrevive pela virtude do amor, amizade (Philia), e, assim, reconhece sua humanidade — e o Héracles sofocliano — que antecipa o fim de sua dor, muitas vezes ante o ódio — o rapaz fica com a tradição. 

Era, para ele, a única saída condizente com a sua formação trágica e heroica: entre subverter a ordem e ser fiel ao convencional, não teve dúvidas.

Antônio é aquele que transita por dois mundos: se aproxima daqueles que se sociabilizam no Grêmio, clube nobiliárquico, por sua formação e pela figura do Velho Thomaz, e daqueles outros, das pessoas comuns, ordinárias, por sua origem humilde. 

Há aí um contraponto entre o Grêmio e o Cabaré. É pelo contraste entre os frequentadores do “submundo” e aqueles da sociedade “aristocrática” que se revela como a ideia de nobreza não passa de uma construção da linguagem, estratégia de imposição de respeito e poder, bastante exitosa, e que a honra nada tem a ver com fidalguia, origem, linhagem. 

Ela não está no corpo, mas no coração: não é exterior, mas emana do âmago. Antônio só compreende isso quando percebe que o mundo dominado pelo escol social se impõe de maneira implacável, determinado o “destino” das pessoas humildes. 

A sina de sua mãe, da sua amada, e mesmo da apaixonante Creuza, são “condicionadas” por suas “desonras” cometidas justamente por aqueles que se autodeclaram honrados. Paradoxalmente, compreende: os considerados desonrados são mais dignos de respeito. 

Finalmente, o Velho Thomaz, personagem singular, contraditório, como somos todos nós, parece ter organizado as leituras que faria com o seu pupilo de forma a prepará-lo para enfrentar a sua maior dor, mas acabou, pelo contrário, levando-o a decidir-se por outro caminho, aproximando-o dos grandes heróis da tragédia épica. 

O que leva o personagem central ao drama final, na hora agá (kairós), é, de um lado, as hostilidades daquela sociedade para qual quis, no início, entrar e, de outro lado, o contraste evidente entre a imagem construída do velho como honrado, justo, honesto, perfeito, sábio, seu benfeitor, e aquela outra do usurpador, aproveitador, oportunista e sem escrúpulos.  


Essência

Não sei qual foi a intenção do autor com a obra, mas, ao levantar e opor reflexões sobre a existência ou a condição humana, parece querer discutir sobre a nossa essência. Também, servir como uma espécie de guia de leitura das grandes obras “clássicas”.


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