A dama das camélias é um clássico da literatura francesa do século XIX e a mais famosa história de uma cortesã, prostituta de luxo. Escrito por Alexandre Dumas Filho (1824-1895) quando ainda tinha vinte e três anos, e publicado em 1848 em meio ao processo revolucionário, tem como tema a elevação da alma pelo amor, tese clássica do Romantismo, estética revolucionária naquele tempo ao opor-se ao classicismo reinado de base iluminista.
A obra narra a história de amor da bela, encantadora e inteligente Marguerite Gautier com o jovem estudante burguês, Armand Duval. Ela, sensível, levada pelo amor, resolve mudar de vida e viver para o amante, apesar das barreiras colocadas pelo meio social.
O autor escreveu o romance, anota a crítica, com base na sua própria experiência pessoal com a cortesã Marie Duplessis, com quem teve uma relação amorosa, vítima de tuberculoso em 1847, fato que o teria abalado e levado ao isolamento para escrever o livro.
Amor Proibido
Ao escrever a história do amor proibido entre uma prostituta e um rapaz bem-apessoado — há quem defenda — estava se vingando, fazendo espécie de ajuste de contas, tecendo crítica à sociedade da época por meio de uma história que fala de ciúme e preconceito. Ele mesma era filho bastardo do escritor famoso Alexandre Dumas, autor de o Conde de Monte Cristo e Os três Mosqueteiros.
O tema não é novo. Antes dele, o próprio pai já havia feito aquilo com Fernand, também Vitor Hugo, com Marion Delorne, e Alfred Musset, em Bernerette. Depois dele, nos deparamos com a cortesã delineada pela pena de Balzac, em Esther de Misérias e esplendores e a bela e encanadora Odete, de Marcel Proust em Em busca do tempo perdido.
Entre nós, a história de Marguerite influenciou José de Alencar. Em seu livro Lucíola temos a prostituta de luxo mais cobiçada da Corte no Segundo Império. O enredo é o mesmo: Lúcia, bela, cobiçada e inteligente, vive um amor proibido com o provinciano Paulo.
Como no caso francês, eles se isolam da sociedade, vivem grande paixão. Como Marguerite, ela é redimida pelo amor puro, verdadeiro, mas se separa do amante no fim por pressões do meio social. Lúcia morre pouco depois da redenção.
Marguerite renuncia a Armand para salvá-lo, mas, logo em seguida, morre vítima de tuberculose, abandonada.
A sociedade elegante
Nos dois romances o pano de fundo é a alta sociedade elegante, cuja vida gira em torno das partidas nos salões aristocráticas, invadidas pela burguesia, bailes, teatro, corridas de cavalo, cafés, restaurantes chics, caracterizados por um mundo de aparências, convenções sociais.
Em ambos os romances nos deparamos com os preconceitos e papeis sociais bem delineados, com as contradições próprias daquele tempo. Nessa sociedade, não havia espaço para a mulher libertina senão como aquele que exerce uma função social, isto é, de permitir mante a mulher direita, de família, casta até o casamento.
É, pois, tolerada quando distante, na penumbra. A família era sagrada e devia resguardar os valores burgueses, transmitir o sobrenome honrado e os bens aos seus herdeiros legítimos. No centro de tudo isso está a mulher, peça chave para resguardar a moral e saúde física da sociedade, da família.
O amor puro
Em ambos os casos, a cortesã conhece “o amor puro e devotado, enobrecedor. Um amor a que a leva a uma mudança de comportamento, uma purificação do corpo e da alma”. As duas se sacrificam e são mostradas como moralmente superiores, capazes de gestos nobres, honrados, mas só conhecidos no final.
Marguerite, para manter a honra da irmã de Durval, o patrimônio da família e a esperança de quem ama, sacrifica-se. Seu gesto só é compreendido no final, quando Armand Duval vive o remorso de tê-la atacado tanto e fazê-la infeliz com seu egoísmo e sentimento de vingança por ter sido “abandonado”.
Paulo descobre que Lúcia perdeu a inocência para salvar a família e que sua purificação é espécie de volta à sua infância pura. É nobrecida pelo amor que vive.
No final a cortesã morre. Não é permitido a Armand viver com ela o amor proibido. O desfecho é resultado ou do que de fato teria acontecido ou porque a moral do autor, burguesa por excelência, não permitia outro desfecho.
Na estética tradicional romântica dois desfechos são possíveis: a ruptura seguida de redenção pelo amor verdadeiro ou a morte, espécie de escape ou fuga. Ainda que no final os valores burgueses triunfem eles não passam incólumes.
Críticas à sociedade
No próprio enredo há críticas reveladas e a recepção do romance causou, na época, escândalo. Vemos numa cortesã a moral e os valores próprios buscados como ideais pela família burguesa: honestidade, abnegação, submissão ao amor, à figura masculina, grandeza, inteligência.
Marguerite é a personagem mais sublime do romance, superior moralmente às outras, mesmo ao rapaz e seu pai, apresentado como espécie de hipócrita. Ela renuncia ao amor de Duval com lucidez e entende que sua existência naquele mundo só era aceita como espécie de mercadoria especial, quando se troca o corpo e o prazer por dinheiro.
Tanto em A dama das camélias quanto em Lucíola, temos dois enredos que suscitam reflexões: sobre a família burguesa, o lugar da mulher na sociedade e seu direito sobre o corpo, o amor, culto das aparências e à celebridade, as convenções sociais, o valor do dinheiro.
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