Os irmãos Karamázov

 


Dostoiévski é um dos meus autores favoritos, perde apenas para Proust. Há razões para isso. Uma delas, talvez a principal, seja o seu talento para criar personagens a viver conflitos psicológicos intensos, como Raskólnikov, de Crime e castigo. Nada mais humano. 

Desse autor, já li quase tudo. O último foi justamente este, e isso já faz algum tempo, tido pela crítica como sua obra máxima.

Compartilho com o leitor um resumo de uma longa resenha que escrevi há tempos, em três partes, aqui reunidas em uma só.

Se não tem saco para ler, e é daqueles que acelera o vídeo por não suportar três ou quatro palavras, cinco ou seis períodos, vá lamber sabão! (rsrsr)

O enredo



O enredo conta a história da família Karamázov. O patriarca é Fiodor Pavlovicht Karamázov, libertino a beber, jogar e gastar com as mulheres. Decide casar-se e, dessa primeira união, tem um filho de nome Dmítri. Este, com a morte da mãe, é abandonado. Passa a ser criado, nos primeiros anos,  por Gregori, seu criado e, em seguida, educado por seu protetor. 

O velho Karamázov casa-se uma segunda vez e, desta união, nascem Ivan e Aliocha. Sua segunda mulher morre e as duas crianças têm o mesmo destino de Dmítri.

Anos mais tarde os três irmãos voltam à cidade do pai para conhecê-lo. Dmítri, o mais velho, quer a parte da herança deixada pela mãe e apropriada pelo pai. Ivan, estudante, é uma espécie de ateu quase convicto, para quem não existe Deus e nem imortalidade da alma. Sem virtude, tudo é permitido. Por tais convicções, vive conflitos e tormentos psicológicos. Aliocha, a viver em um mosteiro, também decide conhecer o pai.

O conflito



O conflito entre o velho Karamázov e Dmítri é redimensionando pela disputar pela mesma mulher. Depois de muitos embates, o velho é assassinado e todas as provas apontam para o fato de ser assassino o próprio Dmítri, com o suposto objetivo de se apossar de três mil rublos. Considera-o seu por direito de herança. A história se desenvolve com a suspeita do parricídio.

No final, o leitor fica sabendo ser outro o assassino. Sem prova que o incrimine, Dmítri é condenado a vinte anos de trabalhos forçados na Sibéria, acusado por uma promotoria que acredita nas provas reunidas, nas evidências materiais, sem atentar para o caráter honrado do acusado.

Essência 



Dostoiévski cria personagens e fatos com o colorido do contexto ideológico de sua época. Uma fonte de inspiração do autor é a vida real. Nesse caso, os jornais eram seus documentos favoritos.

Na visão dele, o povo russo possuía uma fé religiosa que não só o resgataria do desastre, mas também capacitá-lo-ia a liderar o caminho para uma nova era cristã de regeneração do gênero humano. 

Convencido de que o cristianismo herdado pelos camponeses estava impregnado no povo russo, este possuía todas as virtudes cristãs que a fé lhes ensinava.

Uma das qualidades do autor russo é sua capacidade de retratar personagens com um realismo social e psicológico sem paralelo na literatura e de encadear seus conflitos e dilemas numa investigação dos problemas da existência humana. 

Convencido ainda de que o único cristianismo verdadeiro era aquele encontrado na ortodoxia russa, Dostoiévski buscava provas a confirmar esse seu ponto de vista. 

Os seus personagens, sob influência de ideias avançadas, cometem crimes terríveis, como Raskólnikov, de Crime e castigo, ou mergulhados nas piores profundezas da degradação, como Stavróguin, de Os demônios. 

Mas, em determinado momento de suas vidas, cheias de tormentos, encontram a visão de uma possível redenção por meio dos efeitos moralmente purificados do amor cristão. 

Nos dois casos citados, Crime e Castigo e Os demônios, Dostoiévski analisa a tragédia daqueles membros da intelectualidade que tinham se afastado de suas origens cristãs e, assim, de seu povo, o povo russo, o único capaz de redimir o mundo contra a decadência moral do Ocidente.

Em Os irmãos Karamázov, os principais personagens enfrentam a necessidade de transcender os limites do egoísmo pessoal num ato de autoentrega espiritual, na transcendência de seus interesses imediatos centrados no ego. 

Para Dostoiévski, a identificação entre razão, que no plano moral equivalera ao utilitarismo, e o egocentrismo, estava arraigado profundamente no pensamento russo radical da época. 

O poder do romance reside justamente na descrição da luta moral-psicológica de cada uma das personagens principais para atender a voz da consciência.

O velho Karamázov encarnaria, para o autor, a própria síntese do vício pessoal e social, ao negligenciar os três filhos tidos de duas esposas, a crescerem num ambiente de inexistência do núcleo familiar.

Segundo o autor, aquilo tornava-se cada vez mais típico da sociedade russa educada. Personagens como o velho Karamázov e Dmítri, seu primeiro filho, permitem a Dostoiévski discutir a ampla natureza russa, a oscilar entre extremos morais e psicológicos. Dmítri, por exemplo, é perpassado por forças naturais que podem facilmente torná-lo escravo de seus instintos e de suas paixões.

Ivan, por sua vez, representa a suprema dramatização do conflito entre fé e razão, próprio cerne do livro. Todo o romance é, nas palavras do próprio autor, uma resposta a Ivan e sua fórmula de Deus não existir, nem a imortalidade. Por isso, para ele, tudo seria permitido.

Em cada um dos principais personagens há confronto e crise. Exigirão deles uma escolha entre uma e outra. Em todos esses momentos prevalecerá a fé de algum tipo, não especificamente moral e religiosa, como ocorrerá com Aliocha, mas uma fé a encarnar um aspecto da moral do amor e da autotranscedência do egoísmo.

Crítica ao sistema jurídico

Há, ainda, nos capítulos sobre o inquérito e o julgamento de Dmítri uma crítica premente ao sistema jurídico Russo, que havia passado por uma reforma no período. 

Dostoiévski demonstra como um motivo pessoal, a vaidade do promotor, poderia impedir a promotoria de procurar a verdade de forma imparcial. O romancista russo criticava a adoção, pela justiça russa, de normas abstratas ocidentais, que consistiam em boa parte, na reunião de provas materiais. 

A crença exclusiva nessas provas impedia a descoberta da verdade, que poderia ser revelada por uma percepção mais direta do caráter humano. Não se dá crédito às palavras de Dmítri, ao negar veementemente o assassinato do pai. 

Há aqui, também, uma réplica do conflito entre fé e razão. As provas materiais, racionais, reunidas pelos investigadores eliminam qualquer necessidade de pensarem em atribuir peso à palavra do acusado, um homem honrado, apesar de ser lascivo.

Crítica: romance mais importante



Os Irmãos Karamázov é considerado pela crítica não apenas o romance mais importante de Dostoiévski, mas também uma obra-prima. É ainda a mais longa obra do autor russo, levando-o, durante três anos, ao trabalho árduo de escrita, tendo-o concluído apenas em 1880, às vésperas de sua morte.

Pode ser entendido como uma síntese dos vários temas que perseguiram o autor ao longo de toda a sua vida e ponto culminante de sua obra. É ainda entendido com um dos grandes feitos literários de todos os tempos. Por sua profundidade, influenciou pensadores como Nietzsche, Freud e sucessivas gerações.

O livro se destaca dos demais romances de Dostoiévski e levanta o grande tema que o vinha inquietando desde Memórias do subsolo. Consiste no conflito entre razão, identificada muitas vezes com o utilitarismo egoísta, e a fé cristã, os valores altruístas do amor ao próximo.  

No Os irmãos Karamázov, como anota Joseph Frank, não existe uma figura central, mas cinco. Conta a história de uma família e uma comunidade, e não propriamente de um personagem. 

O romance serve a sua abordagem sobre a questão da falência da família russa a preocupa-lo desde a década de 1870. Para ele, o colapso da família era apenas o sintoma de uma doença mais profunda, isto é, a perda entre os russos educados dos valores morais, resultado, por sua vez, da perda de fé em Cristo e em Deus.

Esse já era um tema subjacente aos seus principais romances, mas sem a investigação de todas as desastrosas consequências psicológicas e sociais que derivam do abandono dos valores morais cristãos. 

Em Memórias do subsolo, Crime e castigo e Os demônios, Dostoiévski tentava mostrar, de forma artística, aquilo que vinha investigando desde a década de 1860, ou seja, as consequências morais e sociais das chamadas ideias niilistas russas, um amálgama local do utilitarismo, do ateísmo e do socialismo utópico. 

O propósito dos niilistas, na concepção do autor russo, era não apenas combater o despotismo czarista. Queriam também substituir os ideais herdados dos evangelhos e dos ensinamentos de Jesus Cristo por uma moral fundamentada no egoísmo racional.

Anos profícuos

No tempo em que passou no exterior (1865-1871), teria se convencido de ser o niilismo russo uma transplantação artificial de todas as mazelas ideológicas que minavam a civilização ocidental. 

O romancista defendia que os intelectuais russos, devido à educação ocidental, tinham-se alienado, e se afastado dos valores e crenças de seu povo. Desta forma, precisavam voltar às suas raízes nativas e redescobrir todos os tesouros ainda escondidos.


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