O livro Apologia de Sócrates, de Platão — usado pelo Velho Thomaz, em A máscara Trágica, para dar lições ao seu pupilo, Antônio — narra a defesa de Sócrates diante do Tribunal Heliasta, reunido para julgá-lo sob a acusação de impiedade, isto é, combater os deuses cultuados pela tradição, e de, com isso, também corromper a juventude.
As acusações são feitas
por Meleto, poeta e rico curtidor de pele, Por Ânito, político e influente
orador, e Lícon, personagem de pouca importância.
O julgamento de Sócrates
se dá no ano de 399 a.C. O tribunal dos heliastas era constituído por cidadãos
procedentes das dez tribos que compunham a população de Atenas e escolhidos por
meio da tiragem de sorte. Era na ocasião 500 ou 501 juízes reuniu-se com
quinhentos ou 501 membros.
Julgamento de Sócrates
Tida como bastante fiel
aos fatos, a Apologia é o relato do
julgamento de Sócrates. Divide-se em três partes. Na primeira, o acusado
analisa, rejeita e refuta cada uma das acusações. Nesse ponto, delineia sua
trajetória de vida até ali, com o intuito de mostrar o verdadeiro significado
daquilo que considerava a sua “missão”: convencer a todos que deviam cuidar menos
do corpo e dos bens do que cultivar a perfeição da alma; que a virtude não é
proveniente da riqueza, mas sim da alma.
Desde cedo, esclarece,
dedicara-se à missão de sua vida, confiada a ele, revela, pelo deus de Delfos: dialogar com as pessoas,
de modo a fazê-las tentar justificar os conhecimentos, as virtudes ou
habilidades que lhes eram atribuídos.
Com esse objetivo
inicial, levava o interlocutor a expressar opiniões diferentes à sua própria
especialidade, para em seguida, interrogar a respeito do sentido das palavras
empregadas.
O resultado das questões
habilmente formuladas por Sócrates — que alegava só “saber que nada sabia” —
era, com frequência, tornar patente a fragilidade das opiniões de seus interlocutores,
a inconsistência de seus argumentos, a obscuridade de seus conceitos.
Talentos à prova
Colocados à prova, muitos
supostos talentos e muitas reputações de sapiência revelam-se infundados e
muitas ideias vigentes e consagradas pela tradição manifestavam seu caráter
preconceituoso.
Evidenciava-se a ignorância
da própria ignorância: situação que, não sendo ultrapassada, prenderia a alma
num estéril engano em o que era mais trágico, deixá-la-ia distante de si mesma,
apartada da sua própria realidade.
Para alguns que aceitavam
submeter-se à fase construtiva do diálogo socrático, aquele reconhecimento da
ignorância do exato significado das palavras representava a oportunidade de um
verdadeiro renascimento: o renascimento na consciência de si mesmo, a condição
preliminar para a tomada da posse da própria alma. Para outros, porém, era o destemor
do prestígio em plena praça pública. (Nova cultural, 6-7).
Dizendo-se estéril, ao
reconhecer não saber nada, procurava auxiliar as pessoas noutra forma de
concepção, a das ideias próprias: forma de ir ao encontro de si mesmo — como
prescrevia inscrição no templo de Delfos — de fazer de si mesmo seu próprio
ponto de partida (Conheci-te a ti mesmo).
A cura da alma
Comparando-se a um
médico, conduzia o indivíduo a pensar como quem se cura (cura da alma).
Escutando o seu daimon (demônio, voz
interior) escolhia seus interlocutores, não levando em conta fatores de ordem
social e econômica, aqueles que dispunham de condições psicológicas para ser
submetido ao seu tratamento. Ao contrário dos sofistas, considerando-se a
serviço de deus, não cobrava pelo seu trabalho.
Não apela, em momento
algum, para a misericórdia do tribunal e nem recorre à bajulação, o que
explicará mais adiante por que agia daquela maneira como agia. Após o
veredicto, com pouca diferença de votos, o acusado é convidado a fixar sua
própria pena, sendo fácil a Sócrates safar-se à morte, pedida por Meleto.
Para isso, bastava propor
outra punição, como pagar multa, como haviam sugeridos seus amigos, e, mesmo
que não pudesse pagar, indicar Platão, presente no julgado, pois estava
disposto a arcar com qualquer quantia, na medida que, naquelas circunstâncias
qualquer punição moderada seria aceita.
No entanto, não fazendo
concessões, pois para ele, como demonstra, propor qualquer pena, por menor que
fosse, seria aceitar a culpa que, contra a sua própria consciência. Para ele,
não tinha cometido os crimes que lhe imputavam.
A segunda parte da Apologia descreve o momento em que
Sócrates estabelece a pena que julgava merecer: nem exílio, nem multa, mas a
própria morte, para, assim, não abrir mão de sua própria consciência. Preferia morrer
a declarar-se culpado e, assim, trair sua consciência.
Na terceira e última
parte da Apologia, Platão
“transcreve” as últimas palavras de Sócrates endereçadas àqueles que o
condenaram a morte. Faz isso, segundo o relato, com absoluta serenidade e com
elevado orgulho como quem deseja mesmo a morte.
Tribunal dos Heliastas
Helieia era onde eram julgados a maioria dos processos e, tal como nos assuntos políticos, o povo ateniense era soberano em matéria judiciária. Assim, anualmente, os arcontes sorteavam seis mil jurado entre os cidadãos de mais de 30 anos que, uma vez escolhidos, prestavam juramento; após este juramento, os heliastas eram divididos em dez secções de quinhentos membros cada, ficando mil como suplentes.
O número de convocados para cada julgamento era decidido pelo magistrado que instruía do processo e escolhido mediante a natureza da causa. Era-lhes paga uma indemnização diária, relativamente elevada, o que levava a que a função de jurado se tenha tornado um modo de vida para os Atenienses mais pobres — situação ridicularizada por Aristófanes, na comédia As Vespas.
A Heleia, tal como estava organizada, apresentava graves inconvenientes; os jurados formavam uma assembleia muito numerosa, com escassa competência e facilmente impressionável — o que fazia com que, em geral, se atendesse mais aos sentimentos irrefletidos do que à razão. Como tal, a justiça raramente era imparcial, tornando-se uma arma na mão dos políticos; aqui, como noutras instituições democráticas, era importante, acima de tudo, uma boa capacidade oratória.
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