Arte engajada?
George
Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair,
parece usar a arte para refletir sobre suas insatisfações. Foi assim com o seu
romance anterior, “A Revolução dos Bichos”, fábula construída pelo
autor para atacar os rumos que a Revolução Russa havia tomado, no comando de
Stalin. Foi assim, também, com seu último romance, “1984”.
Winston é seu personagem central. O romance se passa no ano de
1984, em Londres, na Oceania, uma das três superpotências que disputam o
controle do mundo, comandada pelo Partido e por seu líder,
o Grande Irmão (Big Bhother).
Oceania é uma espécie de estado totalitário, cuja sociedade é dominada pelo Estado e nada escapa ao seu controle. Nele, tudo é feito de forma coletiva, mas cada indivíduo que a compõe vive sozinho.
O Partido,
que controla as engrenagens da máquina estatal, desenvolveu um eficiente
sistema de vigilância em que ninguém escapa ao controle.
Não apenas exerce uma vigilância implacável, mas também tem por
objetivos, de um lado, controlar o pensamento e a mente de seus habitantes, não
deixando espaço para ideias ou atitudes que destoam da ortodoxia reinante e, de
outo lado, controlar o passado, alterando-o constantemente, em prol dos
interesses do núcleo do Partido e qualquer suspeita de
não-aceitação é considerada pensamentocrime.
A sociedade é organizada de forma hierárquica e tripartite, dividida
entre o Núcleo do Partido, o mais privilegiado, um Partido Externo
subserviente, e uma massa indistinta de “proletas”.
O herói
O herói do romance, Winston Smith, é um membro do Partido Externo que trabalha no ministério da verdade como falsificador de registros (controle do passado). Ele reage secretamente contra o sistema. Vive um romance com Júlia, que também se revolta, a seu modo, contra o controle.
Encorajados pelo amor, algo proibido naquela sociedade, eles se reúnem com um burocrata de alto escalão do Núcleo do Partido que os coloque em contato com uma suposta força de oposição chamada Confraria, e que teria como líder o arqui-inimigo do Grande Irmão, à maneira de Trotski, Emmanuel Goldstein.
O’Brien, no entanto, se revela
como traidor. Winston e Júlia são presos e separados. Sucumbem a
interrogatórios e traem um ao outro. Liberado antes de sua liquidação e após
ter sofrido uma espécie de lavagem cerebral, Winston descobre que aprendeu a
amar o Grande Irmão.
Denúncia
Podemos dizer que o romance clássico moderno, “1984”, de George Orwell, é, de um lado, uma espécie de denúncia dos rumos que o futuro da humanidade poderia tomar no pós-Segunda Guerra Mundial.
Expressa o medo de que a busca pelo poder econômico e a influência política sobre o mundo levassem as potências do pós-Segunda Guerra à construção de regimes políticos monstruosos, ainda piores do que os totalitarismos nazifascistas e soviético.
De outro lado,
expressa a angústia de que, caso o mundo não mudasse seu rumo, estaríamos
fadados a um sistema em que o homem perderia suas qualidades humanas,
tornar-se-iam criaturas sem alma, máquinas trabalhando como autômatos.
Guerras, totalitarismos
O romance foi publicado em 1949. O mundo vinha da experiência de duas grandes guerras e dos totalitarismos. Viver numa Europa palco de tantas atrocidades, levou Orwell à percepção de que o futuro era algo muito incerto e aterrador.
Em “1984”, ele expressou toda a sua angústia e medo com os rumos que a história da humanidade tomaria dali para a frente. Os horrores não eram algo que pudessem ficar só no passado.
Tão logo as potências
vencedoras da Segunda Guerra organizaram o mundo, partilhando o butim, deram
início a um novo conflito que, naquele momento, parecia ser mais destruidor. Recebeu,
mais tarde, o nome de Guerra Fria, opondo dois sistemas econômicos, políticos,
sociais e ideológicos.
Visto no contexto em que foi escrito, “1984”, não é, em
absoluto, um absurdo. Era uma denúncia, uma angústia, um medo com o que estava
por vir.
Progresso contínuo?
Por outro lado, Orwell expressa, em seu romance, a descrença na ideia iluminista do contínuo progresso da humanidade, na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, aquilo que poderíamos chamar de utopia.
A Primeira
Guerra Mundial, que levou a milhões de mortos, pelas ambições territoriais das
grandes potências europeias, deu início à destruição da tradição ocidental de
acreditar ser o futuro, necessariamente, melhor, como consequência do progresso
da ciência e da técnica. O resultado de décadas de conflito, mortes e
atrocidades foi a substituição da crença na esperança pelo desespero.
“1984” expressa,
portanto, um sentimento de desesperança que, mais tarde, tomaria conta de parte
da população mundial. O livro de Orwell poderia ser definido como “uma utopia
às avessas”, uma espécie de contraponto às utopias anteriores. “1984” demonstra,
em última análise, um sentimento de impotência do homem frente aos
acontecimentos.
Não podemos pensar que Orwell acreditasse que o mundo insano de “1984” pudesse
se realizar. É algo irrealizável, de tão absurdo. Mas o autor usou a arte para
denunciar um mundo igualmente absurdo, podendo levar a uma sociedade onde a
ganância e a vontade de poder colocassem em segundo plano a humanidade do
homem, sua dignidade e valores morais e espirituais construídos ao longo da
história.
Como demonstra Erich Fromm, "Orwell simplesmente sugere que a nova forma de industrialismo gerencial, na qual o homem constrói máquinas que agem como homens e desenvolve homens que agem como máquinas, conduz a uma era de desumanização e completa alienação, na qual homens são transformados em coisas e se tornam apêndices do processo de produção e consumo”. (Posfácio, p. 374).
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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