Anna Kariênina - Liev Tolstói - I

 

Escrito entre 1873 e 1877, publicado originalmente em forma de fascículos entre 1875 e 1877 e lançado em livro em 1877, Anna Kariênina é considerada por muitos a obra mais completa de Liev Tolstói. Dostoiévski a definiu como “impecável”, o crítico Valdímir Nabókov, como obra-prima e “uma das maiores histórias de amor da literatura mundial”. Com ela, teria atingido a perfeição criativa. Thomas Mann considerou-a, artisticamente, “a obra mais bela de Tolstói” e “o maior romance social da literatura mundial”. 

A ação do livro tem início em 1872 e fim e 1876, durante quatro anos e meio. Nele, à exemplo de Guerra e paz, Tolstói fez das pessoas à sua volta os modelos para os personagens. Por isso, têm profundidade e ganham realismo no contexto da Rússia de meados do século XIX. 

Somos apresentados a uma infinidade de personagens com uma profundidade psicológica assombrosa. É uma caraterística de Tolstói permitir, ao leitor, o acesso aos pensamentos das personagens, aos seus dramas interiores, conflitos internos, usando a técnica do fluxo de consciência ou monólogo interior, tempos antes de Joyce. Em Anna Kariênina até um cachorro pensa. 

Na obra, Tolstói faz também uma fina crítica social e põe em relevo uma gama de temas próprios de seu país nos anos 1870, tal era a sua ânsia em debater as questões que inquietavam os intelectuais na contemporaneidade: a agricultura, administração agrícola, regime de propriedade da terra, a situação do camponês, a modernização econômica e tecnológica, a decadência da pobreza, a educação das crianças, dos mujiques e das mulheres, a religião, o serviço militar compulsório, as teorias (Spencer, Lasalle, Darwin, Shopenhauer), a condição feminina, o envolvimento da Rússia na guerra dos sérvios e montenegrinos, povos eslavos e cristãos ortodoxos, como os russos, contra os turcos, por exemplo. 

As opiniões sobre tais temas são sempre apresentadas pelas falas das personagens, sem, no entanto, demonstrar a superioridade de uma ou outra, num claro esforço de imparcialidade. É essa outra característica da sua prosa, o que leva o autor a esconder-se atrás da narrativa, como se a história contasse a si mesma. É procedimento típico do autor tanto em Guerra e paz quanto em Anna Kariênina, onde se apresenta de forma desapaixonada e invisível, atingindo aquele ideal flaubertiano.

Como demonstra Rubens Figueiredo, o autor, na obra, não desenvolveu uma temática central e se ateve a ela, mas organizou o livro em pares e paralelismos de várias linhas: o homem e a mulher; a cidade e o campo; as “capitais da Rússia (Moscou e Petersburgo); a alta sociedade e a vida dos mujiques; o intelectual e o homem prático). 

As linhas, longe de se entrelaçassem, estão, na verdade, e na maioria das vezes, justapostas, o que dá mais realismo à obra, além de maior complexidade, uma vez que parece querer imitar a própria vida concreta. Esta não se mostra organizada como em um enredo bem alinhavado, onde tudo de encaixa, se entrelaça, numa linha que vai do início, passando pelo meio e chagando ao desfecho. Não é a trama, o enredo, nem os personagens que dão coesão à estrutura do romance.


POSTAR UM COMENTÁRIO

Olá! Muito obrigado pelo seu comentário.

Postagem Anterior Próxima Postagem
header ads