Erguidos no Ceará em 1915 e 1932, os campos de concentração eram espaços de aprisionamento para evitar que retirantes saídos do interior chegassem a Fortaleza (Foo: Reprodução)
O medo
Essa grande leva de
retirantes que acorreu para o município de Ipu em busca do Campo deixou aflita
e apreensiva a população local, em especial as classes mais abastadas, afinal,
em menos de um ano a população urbana havia mais que duplicado. Essa invasão gerou
expectativas e aterrorizou os habitantes da cidade. O medo dos saques, no
início, foi uma constante, pois chegavam à região as notícias deles na capital
e no interior.
Diante disso,
desde o início, a preocupação maior das autoridades foi com o controle e
disciplinamento dos retirantes. A assistência só era feita no interior do
Campo. Havia vigilância permanente. Uma vez assistidos havia uma preocupação em
manter os flagelados no “curral”, para que eles não atingissem a área urbana. A
própria localização do Campo, distante do centro, facilitava a vigilância e o
controle. Mesmo assim, não raras vezes, muitos famintos chegavam o centro da
cidade.
O medo das
revoltas e dos saques, das “doenças” e da “criminalidade”, da “mendicância”,
dos “desvios morais”, da “prostituição” que agride o “pudor das senhoras” e
“senhoritas distintas’, levou o poder público, pressionado por grupos de
pessoas abastadas, a adotar estratégias de confinamento e controle dos
“indesejados”.
Todo um aparato
político-administrativo, religioso, policial e médico concorreram para a
execução do receituário, visto serem eles mesmos os representantes das
“elites”.
O policiamento e a
vigilância nos Campos eram ostensivos. O movimento dos flagelados era vigiado
constantemente. Dos Campos só poderiam sair, teoricamente, com a autorização
dos inspetores. A Igreja católica, também se fazia presente. Além de levar aos
miseráveis o conforto da palavra de Deus, reforçava a vigilância e o controle
dos famintos. Deveria torná-los mais obedientes e dóceis. “Os pobres não se
maldiziam, não se revoltavam, mesmo porque o padre dissera no sermão que ali
proferira, à hora da missa campal: - ‘Todos se confortassem com a vontade de
Deus. São Sebastião livraria da peste. Aquela seca era para purgar os pecados.
Mais difícil era um rico entrar no céu que um camelo passar no fundo de uma
agulha’. E eles chegavam a acreditar, achando que havia compensação na sua
pobreza – e nunca se revoltaram”, anotou Magalhães Martins.
No Campo do Ipu o
vigário Monsenhor Gonçalo Lima, semanalmente, celebrava missas, casamentos,
batizados. Ali foi erguida uma capela, onde o padre celebrava os cultos
religiosos para a “cidade dos pobres”.
O saber médico
também estava presente no Campo de Concentração. Todos que chegavam deveriam
ser vacinados. Havia uma preocupação com a vacinação constante dos assistidos.
Embora a vacinação fosse obrigatória, muitos, não acostumados, resistiam.
Também havia uma preocupação muito grande com as condições de higiene, como
vimos. Não obstante, as epidemias não foram evitadas. O tifo, a “desenteria”, o
sarampo e outras doenças ceifaram muitas vítimas.
Todo um aparato coercitivo era justificado pelo medo que as aglomerações de retirantes geravam na população. As doenças contagiosas era um dos espectros que rondavam os “currais” dos “bárbaros” e aterrorizava as classes dominantes. Seu combate tinha que ser incessante sob pena de extrapolar os “muros” do Campo e atingir as famílias “distintas”. Havia no Campo do Ipu uma média diária de seis a sete mortos. Só entre abril de 1932 e março de 1933 registraram-se, de acordo dados de Kênia Rios, mais de 1.000 mortos.
Saiba Mais
ARAÚJO, Raimundo Alves de. Ipu:
Da Ocupação do Espaço Urbano ao Campo de Concentração. Monografia de
graduação do curso de história da UVA. Sobral, 2003.
RIOS, Kênia Sousa. Campos de
concentração do Ceará: isolamento e poder na seca de 1932. Fortaleza;
Museu do Ceará / Secretária de Cultura e Desporto do Ceará, 2001.
NEVES, Frederico de Castro. A
multidão na história: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro. Universidade Federal Fluminense. Tese de doutoramento, 1998.
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