Anna Kariênina -- Liev Tolstói - II

 

Ao lado do grande drama vivido pelo casal, Anna Kariênina, jovem, atraente, charmosa e irresistível, fadada a um final trágico, casada cedo com um oficial promissor, com esplêndida carreira burocrática, vinte anos mais velho do que ele, e Vrónski, jovem oficial, belo e atraente, outros se sobressaem e estão, a ele, associados: aquele de Liévin e Kitty, também de importância capital, outro vivido por Stiepan Oblónski e Dolly, que dá início ao livro, e aquele do marido de Anna, Aleksei Kariênin. 

Anna leva uma vida tranquila, frequentando os salões da alta sociedade de Petersburgo, adora o filho, respeita o marido, que lhe permite viver os prazeres superficiais na alta sociedade de Petersburgo. 

Numa viagem a Moscou, encontra o belo Vrónski, que vive apenas para satisfazer seus impulsos e, antes de conhecer Anna, leva vida convencional, subordinando a moral às convenções próprias dos círculos que frequenta, e se apaixona por ele. A paixão a transforma e, com um novo brilho, passa a ver o mundo de maneira nova e a desprezar o marido. 

Anna é dotada de uma natureza moral arraigada. Não podendo limitar-se a viver um caso na surdina, como faz outras personagens, como sua amiga Betsy, integra-se de corpo e alma a esse novo amor a ponto de abandonar o próprio filho, quem mais amava. Despreza o marido, vira as costas para a sociedade e vai viver com Vrónski, inicialmente na Itália, depois na propriedade rural do marido, no interior da Rússia. 

Aos olhos da sociedade, vive vida indigna, imoral. Os dois, ao votarem para a cidade, escandalizam a sociedade não tanto pelo caso de amor, mas por desafiarem as convenções. Anna suporta a indiferença de todos, o desprezo, o insulto e seu ostracismo social, enquanto Vrónski, como homem, intelectual medíocre, sem muito talento, mas sempre na moda, não atingido pelo escândalo, continua a frequentar os círculos sociais. 

Anna interpreta o fato como uma queda do interesse do amante por ela, de seu amor, que ela está perdendo-o. Impaciente com os ciúmes da companheira, Vrónski demonstra sua insatisfação, levando Anna a suspeitar de uma suposta intenção em casar-se com outra, que já não suporta a situação indigna dos dois. Levada ao desespero, sofrendo perdidamente, joga-se debaixo de um trem, pondo fim a própria vida. 

História paralela

Uma história paralela se desenrola entre Liévin, personagem em que o próprio autor se identifica, e Kitty, irmã de Dolly. Liévin, dotado de ideias morais, mas com uma consciência que não lhe dá trégua, sente ser o seu dever compreender com inteligência o mundo no seu entorno, para encontrar o seu lugar. 

Sua natureza inquieta cresce ao longo do romance rumo àqueles ideais religiosos que, à época, Tolstói desenvolvia para uso próprio. Em Liévin Tolstói põe a sua própria busca fanática pela verdade, que o acompanhou em toda a sua vida, daí ter suas obras, umas mais outras menos, um caráter autobiográfico.

Vladimir Nabókov sugere que a história dos dois casais Anna-Vrónski e Lievin-Kitty representaria duas faces da vida do próprio autor. Tolstói foi um homem de alma inquieta, dividido, ao longo da vida, entre seu temperamento sensual e sua consciência imaterial. Na juventude, viveu momentos de libertinagem, buscando prazeres sensuais. 

Após o casamento, em 1862, encontrou paz temporária na vida em família, quando escreveu suas melhores obras. Ao final de década de 1870, sua consciência teria triunfado, quando os fatores éticos, diz Nabakov, superaram tanto o estético quanto o pessoal, e seu ardor artístico foi superado por aquilo que considerava uma necessidade moral, isto é, viver segundo os princípios da moralidade cristã racional. 

No entanto, aqui e ali, sucumbia, se inquietava. No final da vida, viveu uma luta, travada entre o homem de vida ascética e o artista sensual. 

Enquanto a ligação entre Anne-Vronski se fundamenta no amor carnal, o que representaria o lado sensual do artista, e daí derivar seu trágico desfecho, aquele de Liévin-Kitty baseia-se na concepção metafísica, e não apenas física do amor, na disposição para o autossacrifício, no respeito mútuo, modelo ideal buscado pelo autor (o casamento e a procriação), o que representaria a sua busca pela consciência suprassensível. Haveria, portanto, duas camadas de significados, não propriamente interligados, mas justapostos: uma vida que representa o lado animal, dos instintos presente em nossa humanidade, cujo desfecho não poderia ter sido outro senão trágico, e não como punição, mas como resultado da irracionalidade; e outra vida representada pela busca pela verdade, por um sentido para a vida, por algo superior que transcenda a própria dimensão carnal, suprassensível, de moral superior, a própria essência da ética.

Desta forma, se Madame Bovary é Flaubert, Anna é uma metade de Tolstói, seu lado sensual, e Liévin é a outra metade, sua consciência severa em busca da verdade e de um sentido para sua própria vida.

A fraca e infeliz Anna não usa o véu da dissimulação, como suas amigas. Para Tolstói, o amor não pode ser exclusivamente carnal porque nesse caso é egotista e sendo egotista, destrói em vez de criar. Tolstói coloca lado a lado, em vívido contraste, dois amores espiritualmente estáveis: o carnal de Vrónski e Anna (lutando em meio às suas emoções espiritualmente estéreis, mas ricamente sensuais e fatídicas) e o amor autêntico e cristão, como Tolstói o chamou, do casal Liévin-Kitty, com as riquezas de natureza sensual presentes, mas equilibradas e harmoniosas na límpida atmosfera da responsabilidade, da ternura, da verdade e das alegrias da vida em família.

Nos livros de maturidade de Tolstói os personagens centrais vivem angustiados, preocupados em encontrar o sentido da existência, e, atormentados, buscam preencher o vazio de seu íntimo. É assim com buscando Pierre e com Liévin


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