Cearense de Santa Quitéria, ex-aluno da rede pública, conquista bolsa de mestrado nos Estados Unidos

 

 
Em 2019, o jovem foi aos Estados Unidos pelo Programa Jovens Embaixadores. Foto: Arquivo Pessoal

Nascido e criado em um assentamento da reforma agrária no Interior do Ceará, ele é o primeiro da família a obter diploma de ensino superior

Escrito por Bruna Damascenobruna.damasceno@svm.com.br

Nascido e criado em um assentamento da reforma agrária em Santa Quitéria, no Ceará, o jornalista Rogério Bié, de 24 anos, aprendeu com seus pais — os agricultores Vanuzia Bié e Antônio Moura — e com a comunidade local que a educação transforma realidades. E viu isso acontecer de perto.

Primeiro da família a obter um diploma de ensino superior, após estudar exclusivamente na rede pública cearense desde a educação básica até a universidade, o jovem inicia uma nova etapa: foi um dos 10 selecionados, entre 360 candidatos de todo o Brasil, para cursar gratuitamente uma universidade nos Estados Unidos, por meio do Programa Oportunidades Acadêmicas do EducationUSA.

Foram quase dois anos de madrugadas em claro e estudando no transporte coletivo durante um processo seletivo rigoroso, com provas, entrevistas e outras etapas, até ser aprovado para o mestrado em Narrativas e Mídias Digitais na Universidade do Estado do Arizona, no campus de Los Angeles, na Califórnia.

“Sou filho de um geração de agricultores que não têm o ensino fundamental completo, mas isso nunca impediu que eles fossem uma grande referência para mim. Sempre me encorajaram a estudar, mostrando que a educação era o caminho”, conta. 

Nascido e criado em Santa Quitéria, Bié é o terceiro de seis filhos dos agricultores Antônia Bié e Antônio Moura
Arquivo pessoal

Ele viaja para os Estados Unidos no segundo semestre deste ano, onde terá uma bolsa de estudos para permanecer por pelo menos um ano e meio. A estada poderá ser estendida por mais dois anos para a aplicação dos conhecimentos adquiridos, com possibilidade de avançar ainda mais, rumo ao doutorado.

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QUANDO TUDO COMEÇOU E A VONTADE DE "GANHAR O MUNDO"

Rogério Bié fez o ensino médio na Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Monsenhor Luís Ximenes Freire, em Santa Quitéria. Arquivo Pessoal

Com o apoio da família e da comunidade, Bié começou a "querer ganhar o mundo". Ainda no ensino médio, enquanto estudava na Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Monsenhor Luís Ximenes Freire, passou a se dedicar mais ao inglês por conta própria, após encontrar um dicionário na casa de uma tia.

Depois, recebeu o incentivo de sua então professora, Armana Mesquita, que lhe ofereceu apoio emocional e os livros de seus filhos. Quando surgiu a oportunidade de participar do programa Jovens Embaixadores, o qual leva alunos da rede pública para um intercâmbio nos Estados Unidos, o jovem intensificou os estudos e foi um dos 50 estudantes brasileiros aprovados.

Bié passou três semanas nos EUA, aprendendo e compartilhando conhecimentos com outros brasileiros e com a família anfitriã de origem indiana que o acolheu. De repente, o menino de Santa Quitéria estava realmente começando a desbravar outros mundos.

Em 2019, o jovem foi aos Estados Unidos pelo Programa Jovens Embaixadores

"Foi uma virada de chave. Isso me fez perceber que não era tão impossível sair de uma comunidade do interior para outros países", lembra. Quando voltou da viagem, inscreveu-se no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e foi aprovado para o curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Bié cursou Jornalismo na UFC

"Tive que vir para Fortaleza e me adaptar rapidamente a essa experiência, que era uma realidade muito diferente da minha", lembra. Na universidade, ampliou seu senso de justiça social e ambiental, inspirado na vivência em sua comunidade, que enfrenta os impactos da mina de Santa Quitéria.

"Foi no Jornalismo que desenvolvi uma visão crítica da minha realidade, onde cresci vendo meus vizinhos lutarem para serem ouvidos", conta. Por isso, engajou-se em diversos projetos que usam a comunicação e a educação como ferramentas de emancipação para comunidades vulnerabilizadas.

Seu trabalho de conclusão de curso foi o documentário Filhos do Vento, o qual retrata os impactos negativos das empresas de energia eólica na comunidade quilombola do Cumbe, em Aracati. Em 2019, Bié começou a trabalhar na Secretaria da Educação do Estado (Seduc), inicialmente na área de Protagonismo Estudantil.

Bié ao lado de Euziane Bastos, com quem produziu o documentário “Filhos do Vento”, durante a conclusão do curso de Jornalismo pela U UFC. O longa-metragem foi exibido no Cine Ceará, em 2024

Mais tarde, integrou a assessoria de comunicação da pasta, onde, segundo ele, sua própria vivência foi essencial para dar voz às histórias de outros estudantes da rede pública. Agora, em agosto deste ano, ele embarca para os Estados Unidos com o que chama de sua missão de vida: mostrar ser possível ocupar esses espaços por meio da educação.

Atualmente, Rogério Bié trabalha na assessoria de comunicação da Seduc

Despede-se, ainda que temporariamente, da família e da comunidade de Santa Quitéria, ambas orgulhosas, com o propósito de retornar ainda mais preparado para contribuir com o desenvolvimento de sua terra.

"No mestrado, quero estudar como usar as tecnologias para contar histórias impactantes, apoiar comunidades e promover justiça ambiental. Minha missão de vida é seguir abrindo caminhos, para que outros 'Rogérios' mundo afora deixem de ser exceção — que sejamos cada vez mais presentes, e que a nossa educação continue avançando nessa direção", completa.

FONTE: Diário do Nordeste

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