Um resumo de tudo que a PF conseguiu recuperar no celular de Jair Bolsonaro
20/08/2025
Por Juliana Dal Piva, Igor Mello e Cléber Lourenço
Mensagens de texto e áudio recuperadas pela PF (Polícia Federal) no celular de Jair Bolsonaro detalham as articulações do ex-presidente para obstruir o julgamento da tentativa de golpe de Estado no STF (Supremo Tribunal Federal). Além disso, a quebra de sigilo bancário mostra repasses de R$ 2 milhões na véspera do depoimento de Bolsonaro na PF
Nas conversas do celular apreendido em 4 de agosto, foram encontradas inúmeras provas que mostram tentativas de fuga para a Argentina desde 2024, conversas ilegais com Braga Netto, brigas com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e ainda como o ex-presidente foi orientado diretamente por um advogado ligado ao presidente americano Donald Trump e como articula com o pastor Silas Malafaia campanhas de ataque aos ministros do STF.
Além disso, Bolsonaro teve acesso prévio à peças da defesa do general Mário Fernandes, o oficial responsável pelo plano Punhal Verde Amarelo que, segundo a PF, previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do STF, do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Repasses de R$ 2 milhões
A Polícia Federal identificou que Jair Bolsonaro transferiu R$ 2 milhões para a esposa, Michelle Bolsonaro, em 4 de junho de 2025, um dia antes de depor no inquérito 4.995. O documento ressalta que o ex-presidente não apresentou justificativa para a operação, considerada atípica pelo volume e pela proximidade com a data da oitiva.
O relatório contextualiza o repasse dentro de um padrão de movimentações financeiras que incluem compras de dólares em espécie, dezenas de saques fracionados e transferências a familiares. Segundo os investigadores, os atos indicam estratégia para se desfazer de recursos em posse imediata e evitar medidas judiciais de bloqueio.
Linha do tempo das transações
• 13/05/2025 – Bolsonaro transfere R$ 2 milhões ao filho Eduardo via PIX, atribuindo a origem a doações de apoiadores.
• 29/05/2025 – Eduardo converte cerca de R$ 1,6 milhão e envia ao Wells Fargo, nos EUA, informando que o montante veio de doação do pai.
• 04/06/2025 – Bolsonaro transfere R$ 2 milhões a Michelle Bolsonaro, na véspera de depor à PF.
• 05/06/2025 – Eduardo repassa R$ 150 mil para a esposa, no mesmo dia do interrogatório.
• Maio a junho de 2025 – Compras fracionadas de dólares em espécie e 40 saques somando mais de R$ 130 mil.
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Martin de Luca |
Orientação de advogado de Trump
Bolsonaro manteve contato direto com o advogado Martin de Luca, que atua para a rede social Rumble e para a empresa Trump Media – de propriedade de Donald Trump.
Nas conversas, o ex-presidente chega a pedir que o advogado o oriente sobre o que dizer a respeito do tarifaço de 50% imposto ao Brasil pela administração Trump. Poucas horas depois do presidente americano divulgar nas redes sociais uma carta anunciando as tarifas para os produtos brasileiros.
“Martin, peço que você me oriente também, me desculpa aqui tá, minha modéstia, como proceder. Eu fiz uma nota, acho que eu te mandei. Tá certo? Com quatro pequenos parágrafos, boa, elogiando o Trump, falando que a questão de liberdade tá muito acima da questão econômica. A perseguição a meu nome também, coisa que me sinto muito”, afirmou Bolsonaro em uma mensagem de áudio.
O ex-presidente ainda comemora a imposição das tarifas contra as exportações brasileiras: “Pô, fiquei muito feliz com o Trump, muita gratidão a ele. Me orienta uma nota pequena da tua parte, que eu possa fazer aqui, botar nas minhas mídias, pra chegar a vocês de volta aí. Obrigado aí. Valeu, Martin”.
O advogado concorda e em seguida promete enviar, ainda naquele dia, “um resumo de como eu acho que pode melhorar a comunicação em relação ao tarifaço”
Bolsonaro e Martin de Luca seguem em contato e no dia 15 de agosto os dois se falaram por meio de uma chamada de voz.
A PF afirma que o contexto das conversas “evidencia ações previamente coordenadas” entre o representante da Rumble e Bolsonaro, com “ações de ataques ao Poder Judiciário brasileiro”
Articulação com Silas Malafaia
As mensagens revelam também as constantes articulações entre Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia, dono da igreja evangélica Advec (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) para que ambos pressionassem os ministros do STF contra a condenação do ex-presidente.
Em diversos momentos, Malafaia dá ciência prévia a Bolsonaro sobre o teor dos ataques que faria contra o ministro Alexandre de Moraes e o STF em vídeos publicados nas redes sociais. Os dois também discutem ações após a imposição do tarifaço por Trump.
Em 10 de julho, Malafaia comemora a repercussão das ações americanas: ““PRESIDENTE! Você voltou para o jogo. Podem usar bravatas aqui, vão ter que sentar na mesa para negociar. Você é o cerne da questão. Quem é o Brasil para peitar os EUA? Mico contra um gorila. O vídeo que vou postar daqui a pouco eu vou ao cerne da questão. A próxima retaliação vai ser contra ministros do STF e suas famílias. Vão dobrar a aposta apoiando o ditador? DUVIDO!’’, escreveu o pastor.
A PF também destaca que os dois discutiram em vários momentos formas de maximizar a pressão sobre as autoridades brasileiras. Em 11 de julho, Malafaia adverte Bolsonaro sobre a tentativa do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), de se envolver na negociação.
‘‘Se Tarcísio foi à embaixada americana a pedido seu, você cometeu o maior erro político da sua vida’’, uma vez que, “Se Trump refrescar para Lula sem resolver a sua questão que é o motivo principal da taxação – é só ler a carta, Lula vai deitar e rolar e sair por cima”, diz ele. “O endereço para acordo é o STF, são os únicos que podem pressionar Lula e arrumar uma saída honrosa para eles que estão com o rabo na reta”.
Bolsonaro também submeteu previamente a Malafaia o conteúdo de uma carta que publicou em suas redes sociais elogiando a ação de Trump contra o Brasil. O pastor elogia o teor do texto, mas passa a pressionar para que Bolsonaro faça uma versão em vídeo
“A carta vale para imprensa, o pessoal que pensa , vídeo para o povo em geral”, diz Malafaia em 13 de julho.
Diante da insistência, Bolsonaro responde que não estava em condições de saúde de gravar vídeos naquele momento: “Malafaia, eu tô com uma crise de soluço. A cada três segundos, eu soluço. É impossível gravar qualquer coisa. E a crise tá comigo há dias, tá ok? Se por acaso acalmar aqui, eu faço”, disse o ex-presidente por mensagem de áudio no mesmo dia.
Pedido de asilo na Argentina
No celular de Bolsonaro os investigadores também encontraram uma minuta de um pedido de asilo político para ele na Argentina.
O documento foi enviado para o ex-presidente no dia 10 de fevereiro de 2024 –dois dias depois dele ser alvo da Operação Tempus Veritatis, ação da PF que aprofundou a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.
O texto afirma: “De início, devo dizer que sou, em meu país de origem, perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos. No âmbito de tal perseguição, recentemente, fui alvo de diversas medidas cautelares”.
O documento foi criado em um dispositivo de Fernanda Bolsonaro, esposa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A última modificação do documento foi feita no dia 12 de fevereiro, quando Bolsonaro deu entrada na sede da Embaixada da Hungria em Brasília, endereço no qual permaneceu até o dia 14.
Brigas com Eduardo Bolsonaro
Nas mensagens localizadas pelas PF, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) xingou o pai Jair Bolsonaro após entrevista do ex-presidente sobre o conflito do filho com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende”, escreveu. “VTNC seu ingrato do caralho”, completou.
Adiante, Eduardo ainda escreveu: “Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se fuder é vc E VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA VIDA NESTA PORRA AQUI!”
Comunicação ilegal com Braga Netto
O general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Jair Bolsonaro em 2022, enviou uma mensagem de texto ao ex-presidente no dia 9 de fevereiro de 2024, um dia após a deflagração da Operação Tempus Veritatis. O SMS continha apenas um número de telefone seguido da frase: “só facetime”.
De acordo com o relatório, o celular que recebeu a mensagem era de Bolsonaro. A PF apurou que o número enviado estava registrado como chave Pix vinculada ao próprio Braga Netto, o que, segundo os investigadores, comprova a autoria da mensagem. O documento destaca que a expressão “só facetime” sugere a intenção de realizar comunicação por chamada de vídeo, considerada de difícil monitoramento.
Peças da defesa do general responsável pelo plano Punhal Verde Amarelo
Os investigadores da PF afirmaram ter identificado arquivos no celular apreendido de Bolsonaro que comprovam que ele teve acesso prévio ao conteúdo da defesa do general Mario Fernandes, que admitiu ser autor do plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Um dos arquivos é descrito assim pela PF: “O documento possui 26 páginas e conteúdo semelhante a uma petição de defesa protocolada nos autos da PET 12.100/DF no dia 06.03.2025 às 21h13min com o nome ‘‘RESPOSTA À ACUSAÇÃO’’, conforme a imagem abaixo. Além da semelhança no conteúdo, o número de páginas da referida peça é idêntico ao do arquivo .docx encontrado no aparelho celular de JAIR MESSIAS BOLSONARO.”
FONTE: ICL
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