A pandemia de Covid-19

 

O vírus da covid me encontrou na segunda semana de julho de 2020.  Ainda estávamos longe de qualquer vacina aprovada. Um aperto de mão, uma maçaneta de porta, uma ida ao supermercado! 

Não importa como, nem onde, o certo é que o vírus me encontrou! E naquela data — nas férias de julho — a covid entrou pela porta adentro de minha casa, para me lembrar da fragilidade humana! 

Primeiro foi minha esposa! Depois foram minhas duas princesinhas, Ângela e Isabela! Por fim, fui eu, o último a cair! Não havia o que fazer! 

Segundo o noticiário da televisão, o respirador mais próximo estava a mais de 400 quilômetros de distância, na capital do estado, e havia uma fila de espera de centenas de pessoas! 

Era esperar! Estava claro que pegar o coronavírus na sua forma mais letal era uma sentença de morte! Eu estava preparado para morrer? Eu sempre achei que morreria de velho, num leito de hospital, ao lado de minha mulher, aos 90 anos! 

Lembrei-me dos relatos da peste negra da Idade Média: cidades inteiras esvaziadas — Veneza, Florença, Londres, Lisboa. Havia pânico! Velas eram acesas por senhoras devotas! E padres fanáticos caçavam e queimavam bruxas e hereges, para pedir misericórdia a Deus. Mas não chegaremos a tanto. Estamos no século XXI. Há muita ciência. Há o SUS. Há o governo.  Mas o presidente da república, Jair Bolsonaro, agia como um idiota completo. Debochando daquela situação calamitosa! 

E lá estava eu, sozinho numa cama, às três da manhã, “esperando a morte chegar!” Sem que a ciência viesse me socorrer. O ar me faltou. Por uns breves instantes — que para mim pareceram uma eternidade — suguei o ar e o oxigênio não me satisfez. No Ceará, o governador Camilo Santana aderiu ao “consórcio Nordeste”, e decretou a quarentena. Para me tranquilizar, lembrei-me de uma velha canção de Raul Seixas:  

O empregado não saiu pro seu trabalho

Pois sabia que o patrão também não tava lá

Dona de casa não saiu pra comprar pão

Pois sabia que o padeiro também não tava lá

E o guarda não saiu para prender

Pois sabia que o ladrão também não tava lá

E o ladrão não saiu para roubar

Pois sabia que não ia ter onde gastar! 

A cidade estava deserta, o Ceará inteiro contaminado pelo vírus! E, como num pesadelo louco, Bolsonaro declarou guerra aos governos estaduais e aos prefeitos do país inteiro. O que ele quer? Que o mal se propague? Que morram todos os pobres? Meu Deus! Os governadores foram autorizados pelo STF a agir à revelia do presidente da República! Será nossa salvação! 

Foram montadas barricadas nas estradas, cordões de isolamento sanitário para deter o avanço de nosso inimigo invisível. Ninguém podia sair de uma cidade a outra sem ter que dar explicações a equipes de enfermeiros, médicos e auxiliares portando máscaras, luvas e jalecos brancos. 

Parecia o fim do mundo, ou algum filme apocalíptico de terror! Alguns religiosos disseram que aquilo havia sido previsto na Bíblia. E lá vem o presidente falando merda novamente na televisão:

O vírus chegou. Está sendo enfrentado por nós. E brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservados. Devemos sim, voltar à normalidade.

Algumas poucas autoridades — estaduais e municipais  devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa! O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos! Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade! (...) Devemos sim, ter estrema preocupação em não transmitir o vírus (...) aos nossos queridos pais, e avós! (...) No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar! Nada sentiria, ou quando muito, seria acometido de uma gripezinha, ou resfriadinho!  

Fui ao posto de saúde de minha cidade. O diagnóstico só seria confirmado oito dias depois. Até lá era só esperar, e orar para Deus! Não havia testes, não havia leitos, não havia respeitadores, não havia UTIs, não havia nada! 

Se os sintomas fossem fortes (como estava parecendo), só “Deus na causa” mesmo! O que eu iria fazer? Rezar? Justo eu, um homem de pouca fé? A quem pedir misericórdia? Rezarei para o Universo, para o Deus de Espinoza e de Einstein? Eram quatro horas da manhã. 

Dormi e acordei sem fôlego novamente. O quarto estava escuro. Cadê o ar? Eu respirava, mas o oxigênio não era o bastante. Qualquer esforço poderia piorar a situação. “Devo chamar minha mulher”? Na cerimônia nós juramos um ao outro “até que a morte nos separe”. 

Essa era a hora? Nunca achei que essa hora chegaria tão rápido! Era assim que eu iria morrer? Puta que pariu! Foda-se! Não vou acordar ninguém! Foda-se o Bolsonaro, esse filho da puta! Vou ficar quieto! 

Enfrentarei a covid calado! Morrerei em silêncio, como um “cabra macho” do tempo de meu avô! Ergui-me da cama, fui devagar até a rede da sala. Deitei-me, e esperei a morte chegar. Mas ela não veio, quem veio foi o dia. E aos poucos um ar fresco me chegou aos pulmões, ao mesmo tempo em que uma réstia de sol entrava pela janela. 

Em minha mente, como uma assombração dantesca, vinha sempre a voz horripilante de Jair Messias Bolsonaro repetindo essas palavras: “Chega de frescura, de mimimi! Vão ficar chorando até quando?”, “tem que deixar de ser um país de maricas, pô!”

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