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Cármen Lúcia,Ministra do Supremo Tribunal Federal (Folhapress) |
Por Ana Gabriela Oliveira Lima
“Ditadura mata! Ditadura vive da morte”, disse a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), durante a sessão da corte na quarta-feira (26) que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por liderar uma trama golpista.
Antes dela, o magistrado Flávio
Dino afirmou: “Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês
seguinte ou alguns anos depois”.
Ambos os ministros, ao julgar a
denúncia sobre a trama golpista de 2022, fizeram referência à ditadura de 1964,
que completa 61 anos nesta segunda-feira (31). Para especialistas ouvidos pela
reportagem, a fala sobre o tema foi pedagógica, e o julgamento, histórico.
Além do ex-presidente, viraram
réus Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin e deputado federal do PL-RJ, o
almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Anderson Torres, ex-ministro
da Justiça, o general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança
Institucional), Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da
Presidência da República, o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da
Defesa, e o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.
Eles são acusados de tentativa de
abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, além
de outros crimes. Se condenados, podem pegar penas de mais de 40 anos de
prisão.
Na sessão, Cármen afirmou que o
Brasil lidou, ao longo da história, com uma “máquina que tenta desmontar a
democracia” em referência à ditadura de 1964 e outros intentos golpistas. Não
foi diferente no 8 de janeiro de 2023, o que “ninguém em sã consciência” pode
negar, disse.
Usando como referência a obra da
historiadora Heloisa Starling, a magistrada falou sobre “como não se faz o
golpe em um dia e como o golpe não acaba em uma semana nem em um mês”.
Por isso, relembrou a importância
de “desenrolar” os episódios descritos pelo procurador-geral da República,
Paulo Gonet, como atos que já eram a execução de uma tentativa de golpe em
curso.
“Porque aí é fácil contar a
história, para ninguém esquecer -lembra-se do dia 8? Lembra-se de onde você
estava no dia 8? Lembra o que você sentiu?”, disse Cármen.
Desenrolando fatos vividos por
ela e outros ministros da corte, como Luiz Fux -que precisou dormir na sede do
STF para proteger a instituição contra uma ameaça de ataque no 7 de setembro de
2021-, citou “a máquina funcionando para desacreditar” as urnas, a tensão no
período eleitoral de 2022 e caminhões chegando a Brasília no 8 de janeiro de
2023.
“Se é fato que naquele dia [8 de
janeiro], na frente ou dentro do Supremo, ou do Palácio do Planalto, ou do
Congresso Nacional, não morreu alguém, ditadura mata! Ditadura vive da morte.
Não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos de
carne e osso que são torturados, mutilados, assassinados toda vez que
contrariarem o interesse daquele que detém o poder para o seu próprio
interesse. Não é para o bem público, não é para o benefício de todos”,
afirmou. “Portanto, este é um assunto gravíssimo”.
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Ministro Flávio Dino . (Foto:Antonio Augusto/STF) |
Antes dela, Flávio Dino afirmou
que a morte acompanha ditaduras, ainda que tenha cometido uma imprecisão
histórica, aponta Carlos Fico, professor de História do Brasil da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Comparando a sanha golpista de
2022 com a de 1964, o ministro afirmou que não houve mortes no 1º de abril.
Segundo Fico, ao menos quatro pessoas morreram no dia e há “evidências muito
fortes de outras mortes nos dias imediatamente seguintes”.
“Golpe de Estado mata. Não
importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”, afirmou o
ministro, que relembrou o mérito do vencedor do Oscar “Ainda Estou Aqui”, de
Walter Salles, em remarcar “o caráter permanente e hediondo do desaparecimento
de pessoas, de tortura, de assassinatos que derivam de quê? De um golpe de
Estado”, disse o ministro.
“Então, aqueles que nos anos 20 e
30 do século 20 normalizaram a chegada de Mussolini e Hitler ao poder dizendo
‘este é um processo normal’, certamente se arrependeram quando viram as
consequências nos odientos campos de concentração vitimando o povo judeu e
outras tantas minorias na Europa. Portanto, golpe de Estado é coisa séria”,
afirmou.
“É falsa a ideia de que um golpe
de Estado ou uma tentativa de golpe de Estado, porque não resultou em mortes
naquele dia, é uma infração penal de menor potencial ofensivo ou suscetível de
aplicação até do princípio da insignificância, a excluir a tipicidade. Isto é
uma desonra à memória nacional. Esse tipo de raciocínio é uma agressão às
famílias que perderam familiares no momento de trevas da vida brasileira”.
Ouviam da primeira fila do
plenário da corte Ivo Herzog e Hildegard Angel, filhos de Vladimir Herzog e
Zuzu Angel, dois grandes símbolos das vítimas da ditadura de 1964.
“A história está nos dando a
oportunidade de ver como o Judiciário, como o Estado deve enfrentar uma trama
de um golpe do Estado que poderia nos colocar de novo num período de ditadura.
O último durou 21 anos. 21 anos de ditadura”, disse Hildegard à reportagem.
Pedagógica também, afirma
Janailson Macêdo Luiz, professor da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará), ao reforçar os horrores que acompanham qualquer regime de
exceção em uma realidade na qual o país ainda não pune adequadamente aqueles
que fazem apologia à tortura, como o fez Bolsonaro ao longo de sua história.
“Esse
caráter pedagógico provavelmente impacta mais as próprias Forças Armadas do que
a sociedade em geral. Imagino que, para elas, esse julgamento tenha um impacto
bastante significativo, justamente pela transformação em réu desses oficiais
generais e do almirante envolvido”, afirma Carlos Fico, para quem “o fato de os
ministros terem se referido ao golpe de 64 como algo condenável é da maior
importância”.
FONTE: ICL Notícias
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