País tem pouca capacidade de
refino, e transição energética torna mais complexas as decisões sobre
investimentos
O ano de 2024 foi
de marcos históricos para o mercado do petróleo no Brasil. No ano passado, pela primeira vez na
história, o Brasil exportou mais petróleo do que ele mesmo consumiu. A
exportação foi tão grande que, também pela primeira vez, o petróleo foi o
produto que o Brasil mais exportou no ano, superando até a soja.
As vendas de óleo bruto de petróleo ou de minerais
alcançaram 44,8 bilhões de dólares (quase R$ 260 bilhões), segundo o Ministério
do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), uma alta de 5,2% na
comparação com 2023.
Do valor de tudo
que o Brasil exportou no ano passado, 13,3% foram relacionados à venda de
petróleo. A venda da soja ficou com 12,7%.
Os dados foram
comemorados por agentes da indústria de óleo e gás. A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, por exemplo,
disse que a chegada do petróleo no topo da pauta de exportação representa “um
marco significativo”.
Tal marco, entretanto, tem a ver com deficiências
históricas do setor de refino brasileiro. Sem plantas suficientes para
processar todo o petróleo que extrai, o Brasil hoje já manda para o exterior
52,1% do óleo produzido. Os dados são do Ineep (Instituto de Estudos
Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), referentes a 2024.
Esse óleo acaba sendo refinado em outros países e parte
dele, inclusive, volta ao Brasil na forma de combustível. Hoje, apesar ser um
dos dez maiores produtores de petróleo do mundo, o país importa cerca de 10% da
gasolina e até 25% do diesel que consome.
Para Mahatma dos Santos, diretor técnico do próprio
Ineep, a contradição causa perda de oportunidades. O maior problema é que o
Brasil segue dependente do mercado externo e de seus preços para abastecer seu
mercado nacional. Ao se manter assim, ainda deixa de gerar empregos e renda com
o trabalho de refino do petróleo que ele já tem.
“Todo o petróleo
produzido no Brasil deveria ser refinado aqui para atender nossas necessidades,
estimulando nossa indústria, nossa infraestrutura de distribuição, gerando
empregos. O excedente poderia ser exportado na forma de combustível, com maior
valor agregado”, resumiu Santos, em entrevista ao Brasil de Fato.
Santos reconhece que a exportação de petróleo tem seus
benefícios: gera receita rápida para as petroleiras que atuam aqui,
principalmente a Petrobras; gera recursos para governos com o pagamento de
direitos que eles têm sobre o óleo; e traz dólares à economia nacional. Esses
benefícios, entretanto, são de curto prazo e pouco contribuem para uma mudança
do nível de desenvolvimento do país.
“Precisamos mudar a lógica primária da pauta de
exportação brasileira, que extrai o produto bruto e o exporta para que seja
industrializado fora”, disse.
Leandro Lanfredi, diretor do Sindicato dos Petroleiros
do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e militante do Movimento Nossa Classe, disse
que a ênfase brasileira em produtos primários, incluindo o petróleo, já foi
maior no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sob gestão de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), ela segue grande.
“O Brasil ainda exporta muito petróleo cru, minério e
outros”, lembrou. “No caso do petróleo, a exploração gera uma quantidade
pequena de empregos quando comparado ao refino e principalmente à pesquisa na
área.”
Papel da Petrobras
Lanfredi enxerga um
papel fundamental da Petrobras no crescimento das exportações do petróleo no
Brasil. Por mérito próprio, a empresa descobriu óleo na camada do pré-sal, em
2006, o que quase triplicou a produção petrolífera nacional em duas décadas.
Em 2000, o Brasil produzia 456 milhões de barris
equivalentes anuais. Em 2024, chegou a para 1,23 bilhão de barris – 173% a
mais. Hoje, 80% do óleo brasileiro vem do pré-sal, o que comprova a importância
da iniciativa da Petrobras para a soberania energética do país.
Lanfredi ressaltou que
a Petrobras não atende só a interesses nacionais. A empresa é
controlada pelo governo, mas tem maioria de acionistas privados, boa parte deles
estrangeiros. Para eles, mais importante que refinar petróleo no Brasil é
lucrar rapidamente com a exportação.
Já a falta da
iniciativa da empresa em refinar esse petróleo internamente tem a ver também
com desdobramentos da operação Lava Jato e decisões de governos passados. A
Lava Jato paralisou projetos para o setor de refino tocados pela estatal. Já
sob o governo Bolsonaro, a Petrobras ainda também vendeu quatro refinarias.
Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de
Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), disse que a Petrobras retornou projetos
durante a gestão Lula. Há investimentos em andamento na Refinaria Abreu e Lima
(Rnest), em Pernambuco, e Refinaria Planalto de Paulínia (Replan), no estado de
São Paulo. A empresa argumenta que eles seriam suficientes para zerar o déficit
de refino no país. Dantas concorda, mas não porque os investimentos realmente
seriam definidores, mas pela mudança do padrão de consumo de combustível, não
só no Brasil como em todo o mundo.
“É possível zerar o déficit haja visto que a
eletrificação da frota brasileira está crescendo em um nível maior do que o
esperado”, afirmou o economista.
Vale a pena?
Considerando a transição energética, segundo Faria,
pode ser que realizar um investimento como esse possa não vale mais a pena.
“Estima-se que o pico de demanda por petróleo no mundo
se dará em 2040. Investir em refinaria quando a demanda do que é produzido ali
tende a cair é um dilema”, pontuou. “São bens de capitais caríssimos que podem
não ser úteis no futuro.”
Marcelo Simas, economista e professor de Geopolítica
das Energias na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fundação
Getúlio Vargas (FGV), ratifica a dúvida sobre a viabilidade do investimento em
refino. Ele argumenta, inclusive, que nenhuma empresa investe na área dada as
estimativas de demanda de combustível.
“O investimento em refino é extremamente caro e seu
retorno vem em 25 ou 30 anos”. disse ele. “O retorno de uma nova refinaria
iniciada hoje viria em 2050 ou 2055, quando provavelmente não teríamos mais
demanda para ela.”
Dantas, por outro lado, pondera que a demanda
brasileira por diesel tende a crescer nos próximos anos. Isso por si só
justificaria a ampliação de refinarias. Se fossem construídas, elas poderiam
ainda tornar o Brasil exportador de combustível a outras nações que também
continuarão os demandando pelo menos no médio prazo.
“Deveríamos retomar a ambição da década de 2000, quando
a Petrobras tinha planos de ser uma exportadora de combustíveis. Isso teria um
impacto enorme na economia brasileira”, disse ele, ratificando um projeto que
também é defendido pelo Ineep. “Isso também diminuiria a emissão de carbono no
mundo, tendo em vista que o petróleo brasileiro não precisaria viajar para a
Ásia, e nem o combustível americano ou do Oriente Médio precisaria viajar até o
Brasil.”
Petróleo pra quê?
Faria acrescentou à discussão o fato de o Brasil estar
se consolidando como um exportador de petróleo num momento de aquecimento
global e crise climática. Ele, pessoalmente, considera que o país precisa
cortar suas emissões de carbono causadas principalmente pelo desmatamento antes
de pensar em limitar a exploração dos seus recursos. Ainda assim, o assunto é
importante e precisa ser considerado.
Lanfredi finalizou pontuando que é preciso discutir
também a forma como o governo usa o recurso oriundo do petróleo. Mesmo
exportado, o óleo gera receitas. Para ele, considerando as regras fiscais
vigentes no país, o dinheiro não se transforma em melhorias para a população,
mas é usado para o pagamento da dívida pública. “Ele não se reverte em saúde,
educação, transporte, moradia”, reclamou.
Editado por:
Thalita Pires
FONTE: Brasil de Fato
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