O aborto da “moça-donzela”

 

Estava papai trabalhando nos “dentes”, na época do Flávio Mororó, quando por lá apareceu uma velha, de uns sessenta anos de idade (Eu não saberia dizer, pois para uma criança, alguém com mais de trinta anos já e idoso!). Ela, a velha mulher, queria fazer uma dentadura com o protético mais conhecido da cidade. 

Papai achou que a conhecia, de algum lugar... seu rosto lhe era familiar. E então ele passou a interpela-la: “Quem é você? Você mora onde? Conhece fulano de tal?”. E ela: “Sou da Beira d’Água, lá prás bandas do Manuíno! Sou filha da Dona Maria, do Recanto, e coisa e tal”. 

Dito isso, papai, que era um homem que conhecia aqueles sertões como ninguém, lembrou-se de quem era a tal mulher misteriosa: “Você não é a Matilde, filha da velha Maria, lá do Riacho Verde?”. E ela, não podendo negar, disse: “Sou sim”. E foi aí que papai falou: “Não foi você que um tempo atrás arrumou uma barriga, e escondeu de todo mundo! E quando a criança nasceu (um menininho), você e sua mãe mataram a criança e enterraram ele no quintal? Vocês sufocaram a criança, para que ninguém soubesse que você ‘tinha cometido um erro’, havia perdido a virgindade?!” 

Era ela mesma! Ela era um dos monstros das histórias contadas por meu pai e minha mãe. Então Matilde chorou... chorou... e então falou: “Aquilo foi obra da cunhã-velha da minha mãe! Aquela desgraçada! Eu não queria fazer aquilo não! Mas foi ela que sufocou meu bebê, assim que ele nasceu! Foi ela! E só pra preservar a minha fama de ‘moça-donzela’! Aquela desgraçada! Foi ela que sufocou meu bebê, e enterrou no quintal! Eu não queria!”. 

Então papai falou: “Hoje você está velha, não tem ninguém no mundo! Se ele tivesse vivo, ele ia ser seu apoio na velhice! Mas vocês cometeram esse crime! Mataram uma criança ao nascer: a mãe e a vó, mataram um inocente! Um anjinho de Deus!” Papai dizia isso, enquanto a pobre velha se desmanchava em soluços e em lágrimas. Tive pena da coitada! Mas... seu crime fora realmente monstruoso! Sufocar o próprio filho ao nascer! E tudo para preservar uma virgindade aparente! Meu Deus, que sociedade doente era aquela!  

(Fim das histórias da bodega de meu pai).


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