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É o petróleo, estúpido! Saddam Hussein tocou fogo nos campos de petróleo do Kuwait durante a Primeira Guerra do Golfo. Créditos: Wikipedia |
Petróleo domina na era do "capitalismo predatório e tributário" dos EUA
Por Luiz Carlos Azenha
Foi no governo de Barack Obama que os Estados Unidos mergulharam em uma política de Estado que muda muito pouco com os governos de turno: a contenção da China em território asiático.
Obama falou em "pivot", ou pirueta da política externa estadunidense.
O subtexto desta política é a manutenção do "reino do petróleo" sobre a economia do planeta, por conta de novas tecnologias do fracking, da perfuração em águas profundas e do aproveitamento de reservas antes tidas como descartáveis, como o petróleo pesado da bacia do Orinoco, na Venezuela.
Fracking é a técnica de injeção de água no subsolo que permite a captura de petróleo antes inatingível, condenada pelos ambientalistas como altamente contaminadora dos lençóis freáticos.
Curiosamente, os Estados Unidos atingiram o pico de sua produção de petróleo e gás no governo de Joe Biden.
A reportagem da revista Fórum testemunhou, em Baku, movimentos que buscam estender o domínio do petróleo sobre a economia: a forte presença de produtores de petróleo na COP29 (as duas últimas conferências do clima foram realizadas em países que são grandes produtores, Catar e Azerbaijão) e a constante referência à palavra "mitigação".
Mitigar os danos causados ao meio ambiente pelo aquecimento global significa, em parte, aceitá-los -- e conviver por mais tempo com a economia do petróleo.
Em termos de geração de energia, o petróleo continua sendo o meio mais barato de combustão e seus derivados permeiam a sociedade industrial. As previsões de que haveria decadência na produção a partir de 2030 ou 2050 foram empurradas para a frente, consideradas novas tecnologias e reservas que antes jamais se cogitou explorar, como as do Ártico.
A disparada na produção de petróleo dos EUA.
Calcanhar-de-aquiles
Em recente entrevista a Tariq Ali, na revista New Left Review, o líder da esquerda francesa Jean-Luc Mélenchon foi direto ao ponto:
Um império só é um império se puder manter o controle de certos recursos, e é precisamente isso que está acontecendo hoje. Os EUA decidiram redesenhar o mapa do Oriente Médio, usando Israel como seu instrumento e aliado. Sabem que devem recompensar Israel por esse trabalho, e isso se manifesta em apoio ao projeto político de um Grande Israel, sob o qual a população palestina em Gaza e em outros lugares deve desaparecer. Se a Europa e os EUA quisessem impedir essa guerra, ela teria se limitado a três ou quatro dias de retaliação israelense após 7 de outubro. Em vez disso, ela durou mais de vinte meses. Portanto, ninguém pode dizer que os estadunidenses não sabem o que estão fazendo, como alguns disseram. O que está acontecendo na região é tudo deliberado, planejado e organizado em conjunto pelos EUA e Netanyahu.
O plano é óbvio: eventualmente, negar à China -- ou ao menos usar como ferramenta de pressão -- o acesso ao petróleo barato que ela hoje importa especialmente do Irã, mas também da Arábia Saudita.
A China importa mais de 70% do petróleo que consome; os Estados Unidos são os maiores produtores do planeta e hoje são os maiores exportadores de gás liquefeito de petróleo (GLP), depois que usaram a guerra da Ucrânia para romper o pacto entre a Rússia e a Europa e destruiram o projeto do Nord Stream, que tornaria o continente europeu um cliente de longo prazo das reservas russas.
Na mesma entrevista, Mélenchon mencionou que como resultado das guerras no Afeganistão e na Síria, dois projetos de gasodutos fora do controle dos Estados Unidos foram abortados.
As pistas na mídia estadunidense
Recentemente, o New York Times, jornal que representa a elite estadunidense, registrou de forma clara os projetos contraditórios entre os Estados Unidos e a China, baseados em interesses econômicos nacionais:
Na China, mais turbinas eólicas e painéis solares foram instalados no ano passado do que no resto do mundo combinado. E o boom de energia limpa da China está se globalizando. Empresas chinesas estão construindo fábricas de veículos elétricos e baterias no Brasil, Tailândia, Marrocos, Hungria e outros lugares. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, o presidente Trump está pressionando o Japão e a Coreia do Sul a investirem "trilhões de dólares" em um projeto para enviar gás natural para a Ásia. E a General Motors acaba de cancelar os planos de fabricar motores elétricos em uma fábrica perto de Buffalo, Nova York, e, em vez disso, investirá US$ 888 milhões na construção de motores V-8 a gasolina no país.
Donald Trump fez campanha prometendo turbinar a produção de gás e petróleo no país, com isso barateando o custo interno da energia e supostamente dando à indústria estadunidense uma vantagem competitiva sobre a de outros países.
O interesse dele em incorporar o Canadá e a Groenlândia ao território dos EUA não seria mais uma "loucura" de Trump, mas obedece ao interesse de ter acesso a novas reservas de petróleo e gás e, no caso da ilha sob soberania da Dinamarca, controle de rotas marítimas que levam às riquezas inexploradas do Ártico.
Capitalismo tributário
Apesar do estranhamento da mídia estadunidense em relação à aproximação de Donald Trump com Vladimir Putin, é óbvio que isso se deu em parte como tentativa de cavar um fosso entre Moscou e Beijing.
É a aliança estratégica que sustenta os BRICS.
Não por acaso, Trump vem fustigando os países fundadores da aliança econômica, dentre os quais o Irã, a África do Sul e mais recentemente o Brasil.
Em sua entrevista à New Left Review, Mélenchon lembra que 90% do petróleo importado pela China passa pelo estreito de Ormuz, a saída do golfo Pérsico controlada geograficamente por Irã e o sultanato de Omã.
É neste contexto que ele vê a recente aliança de Estados Unidos e Israel para expulsar a Rússia da Síria e na sequência tentar derrubar o regime dos aiatolás.
China reage com rota terrestre
Em maio deste ano, o primeiro trem completou a rota entre a cidade chinesa de Xian, na província de Shaanxi, e o maior porto seco do Irã, em Aprin, nas proximidades de Teerã. Shaanzi é o ponto de origem da Rota da Seda original.
O trajeto vai reduzir o tempo de conexão entre os dois países de ao menos 30 dias em rota marítima a 15 dias por terra.
Além disso, tem o potencial de livrar a China da passagem de seus petroleiros pelo estreito de Málaca, um ponto de estrangulamento do tráfego marítimo em caso de guerra.
Em sua entrevista à New Left Review, Mélenchon diz que um conflito armado não interessa a Beijing, mas sugere que a elite estadunidense já se convenceu de que é a única forma de frear a decadência estadunidense.
O New York Times, que bate bumbo pela guerra de maneira sutil, dedicou longos textos recentemente sugerindo que a China espiona profundamente a Rússia, que o Irã foi abandonado pela China e Rússia e que a China está fazendo pesquisas no solo dos oceanos, de olho em futuro conflito com os Estados Unidos.
Melénchon, em sua entrevista, sublinhou nuances entre China e Estados Unidos que explicam inclusive porque Japão e Coreia do Sul não compareceram à mais recente cúpula da OTAN, a aliança militar do Ocidente:
A questão sobre o Japão e a Coreia também é significativa. Não apenas eles, mas também muitas outras potências na região, estão agora fortalecendo laços com a China. O Vietnã deveria estar no bloco dos EUA, mas eles assinaram acordos com os chineses. O mesmo aconteceu com a Índia, apesar das tensões entre os dois países. O pano de fundo aqui é que, em grande parte da Ásia, o capitalismo ainda é definido por forças dinâmicas de comércio e produção, enquanto nos EUA assumiu um caráter predatório e tributário. Ou seja, Washington agora tenta usar seu poder para fazer o resto do mundo pagar tributos, como ficou claro na reunião da OTAN que você mencionou, onde decidiu-se que cada Estado deveria gastar 5% do PIB em Defesa. Esse dinheiro não será usado para construir aviões ou submarinos internamente, é claro, mas sim para comprá-los dos Estados Unidos.
FONTE: BdF
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