Cangaceiros foi o último romance de José Lins do Rego, publicado em 1953, e integra o chamado ciclo do cangaço. É a continuação do livro Pedra Bonita. Têm, estas duas obras, como personagem central, Antônio Bento, o bentinho.
Pode-se dizer, na verdade, que o personagem mais importante do segundo romance é o sertão, caracterizado pelo lugar ingrato, espaço da superstição, do beato, do misticismo, do cangaceiro, da polícia que não distingue inocentes e fora da lei, espaço da violência, da seca, da dificuldade, da vingança como meio de lavar a honra ferida.
“Nesse ciclo se faz presente a valorização da cultura do sertão brasileiro, no qual, para uma parte da população, há uma espécie de visão trágica da vida. É nesse contexto que entra em cena os cangaceiros, os fanáticos religiosos, os loucos e até mesmo os coronéis fracassados, todos em constante luta contra as forças opressoras do sertão.
O romance Cangaceiros dá sequência à ficção do autor paraibano no mundo do misticismo, fanatismo religioso, coronelismo e cangaço iniciado em Pedra Bonita (1938).
Porém, muito embora Cangaceiros trate da mesma temática e dê sequência à história iniciada no outro, ganha em contornos de maturação. Ou seja, há uma maior densidade narrativa, na qual se entrelaçam passado, presente e futuro. De modo que nele, José Lins do Rego adentra com maior profundidade no mundo do fanatismo religioso e da criminalidade do cangaço”.
Enredo
A história inicia com a mãe dos cangaceiros, Sinhá Josefina, em fuga, depois de ver o reduto do santo da Pedra Bonita ser arrasado, o santo morto e dois filhos dela no cangaço. Ela, junto com o filho mais novo, Bentinho, são os sem-lugar, o liame entre as forças opressoras do sertão: coronelismo, cangaço e política. Ambos estão em um mundo desintegrado, em ruínas, no qual o presente é constantemente ameaçado pelos acontecimentos passados e futuros.
Sinhá Josefina já estava ali há mais de dois anos. Viera tangida pela fúria dos soldados, que haviam destroçado o reduto do Santo, em Pedra Bonita. E ali ficara, depois de longas caminhadas pelas caatingas, acompanhada do filho Bentinho.
Léguas e léguas andaram, como se fossem retirantes, de fazenda em fazenda, a pedir a um e a outro uma coité de farinha que lhes matasse a fome, e pés roídos pelos espinhos e olhos fundos de sofrimento. (REGO, 1953, p. 1).
José Lins do Rego constrói a figura da “grande mãe” deslocada, carregada de culpa, sem fé na salvação e nos valores possíveis e sólidos configurados ao longo da vida – aspectos perceptíveis no decorrer da narrativa. Tudo aquilo em que um dia acreditou ser sólido se desmancha, tudo se torna transitório e maleável a partir do momento em que se vê inserida em um mundo de ruptura e quebra da solidez que um dia vigorou em sua vida.
Diante de tudo isso, por não resistir ao mundo que desponta constantemente ao seu redor, a loucura parece ser a saída mais viável para a mãe dos cangaceiros, e por fim, a morte. Desse modo, a narrativa de Cangaceiros tem como mote a resistência vivida pela maioria dos personagens, que lutam das mais variadas formas para que possam existir no meio em que estão inseridos.
São cangaceiros – todos oriundos da classe baixa – às margens do sistema social vigente e desamparados pelas autoridades. Encontram no cangaço o único meio de resistência.
Há também os viventes locais, pessoas pobres que, muito embora sem relação direta com os cangaceiros, sofrem as agruras causadas por eles: “Os sertanejos sofriam dos cangaceiros e das volantes. Por onde passavam os soldados os estragos eram os mesmos” (REGO, 1953, p. 86).
Por fim, tanto os cangaceiros como a sua gente, além dos outros que são diretamente afetados pela existência deles, formam um retrato dos excluídos socialmente, e assim resistem da maneira que julgam mais apropriada.
Referência
REGO, José Lins. Cangaceiros. Global, Rio de Janeiro, 2022.
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