E lá estava eu, dentro do Guanabara, indo embora para o Rio de Janeiro, cumprindo a sina de meus irmãos!
O Rio havia absorvido todos os meus irmãos até ali. Não havia mais nada para mim no Ipu! Não havia acesso à universidade, não havia emprego digno, não havia amigos, não havia namorada!
Ninguém, para lamentar minha partida! Eu nada mais queria, só desaparecer! Ser esquecido! Morrer!
O ônibus parecia um dragão fantástico, rosnando e soltando fumaça! Era uma fumaça preta, pegajosa, assustadora. O sol ardia, como uma fornalha! O motorista pisou no acelerador!
Alguns de meus irmãos — talvez o Doutor — havia me levado à rodoviária, me entregou ao ônibus! Desceu minhas malas, me deixou lá, sozinho, foi embora! Nada mais importa!
O motorista ligou o motor! O dragão rangeu seus dentes! Cuspiu fumaça! Era uma fumaça preta, pegajosa...! Não havia nuvens ou pássaros no céu, eram dez e meia da manhã! A fumaça preta infestou o ar!
Eu entrei, lembrei de meu pai e de mina mãe. Eu saí sem me despedir! Não conseguimos falar! Olhei para o meu pai em sua venda... a velha Bodega, que havia ajudado ele a sustentar a família. Eu já tinha 19 ou 20 anos, deveria partir, ganhar a vida!
O ônibus saiu! Deixou Ipu, a terra que, naquele momento, eu tanto odiava! Eu queria morrer, ser esquecido! E esquecer aquele lugar! Dentro do veículo só pessoas estranhas. Rostos redondos, tostados de sol, e morenos, marcados pela vida, mas estranhos para mim.
Havia lágrimas em meus olhos, assim como nos meus! E fez-se um silêncio torturante, enlouquecedor e... o ônibus adentrou as serras e serrotes azuis da estrada que ia na direção de Sobral!
Sobral era uma lenda! Uma assombração ao fim de uma estrada que não teria fim! Eu ia para o mundo! Não haveria mais ninguém que me conhecesse ali dentro. Meu pai ficou para trás.... assim como minha mãe... meus irmãos... minha família... meus amigos... tudo ficou para trás!
Nada mais importava! Eu saí sem dizer adeus a meu pai. Na despedida, nós apenas nos olhamos, como quem não têm mais nada a dizer um ao outro! Como eu queria ter dito “Adeus meu pai”! “Adeus minha mãe”! “Adeus meus irmãos”! Mas eu não disse...!
E, lá longe, um imenso moinho de moer gente (o Rio de Janeiro), me chamava..., para me devorar! Nada mais importava... a estrada era infinita... o destino era implacável... e ao fim da linha... o Rio ia me devorar... como o dragão terrível do Apocalipse! Sim... para mim o Rio era o inferno... o céu... e o purgatório!
O primeiro dia no ônibus foi de muitas novidades. Novidades medonhas! Almocei lá pelo meio dia! Dormi, acordei, tornei a dormir, tornei a acordar... e nada de chegar! Havia muito falatório dentro do carro. Gente perdida, sem paradeiro e sem raízes, como eu haveria de ficar, com o tempo.
Acordei às 22 horas. O motorista avisou que íamos demorar, que quem quisesse, era o momento de tomar banho! Eu peguei toalha, sabonete, fui ao banheiro. Mas parei na entrada.
Havia uma multidão de homens, seminus, todos pretos, estranhamente pretos, tomando banho, escovando os dentes, lavando roupas, fazendo a barba. Eu nunca havia visto na vida, assim alvoroçada, tanta gente preta reunida! E isso me assustou! Voltei ao ônibus. Não tomei banho. Tentei dormir.
O segundo dia não foi muito diferente do primeiro. no terceiro dia de viagem, cheguei ao Rio de Janeiro! O mesmo Rio de Janeiro que eu tanto ouvira falar nas conversas de meus irmãos mais velhos! Parecia uma miragem! Um pesadelo! Uma assombração! Era realmente o mesmo Rio de Janeiro que havia recebido meu avô, meu pai, meus tios e meus irmãos mais velhos, alguns anos antes de mim.
Agora era a minha vez de experimentá-lo. Era noite. Pedro foi me pegar na rodoviária, não sei mais com quem, talvez Pirão, talvez Maria, talvez Marlene... eu já não lembro! Sei apenas que me levaram de carro!
Não saberia descrever a sensação, o medo, o arrebatamento, o pânico, o estranhamento de adentrar aquele labirinto de prédios gigantes, de carros a 200 por hora, de luzes dos veículos, de lindas mulheres, de pessoas loucamente apressadas...para lá e para cá, como formigas furiosas, em um gigantesco formigueiro humano!
Meu coração estava inquieto, quase saindo pela boca! Eu me vi dentro de um imenso jogo de videogame! Aquilo não parecia real! As luzes de neon, a silhueta das pessoas nas ruas, como fantasmas na escuridão, as luzes bruxuleantes dos automóveis, um enxame infinito delas, indo e vindo, em todas as direções, como vagalumes enlouquecidos, na escuridão!
E os arranha-céus? Meu Deus, os arranha-céus eram verdadeiros labirintos! E as prostitutas, lindamente vestidas, e espalhadas pelas esquinas de avenidas loucas, iluminadas por um milhão de vagalumes, de luzes de neon, de luzes de automóveis! Meu Deus! Aquilo não parecia real! Era um imenso jogo de Fliperama!
Não importa para onde o carro corria, sempre havia duas fileiras infinitas de prédios, que se perdiam imponentes no horizonte! E havia as luzes dos apartamentos, como gaiolas de pombos!
Uma infinidade delas, distribuídas para onde a vista alcança! Senti-me como uma folha, levada pelo vento..., ou um rato, numa gigantesca ratoeira! “Chegamos em Copacabana”, alguém falou, acho que foi Pedro.
E lá estava Copacabana, assustadoramente bela. Aberta... escancarada... como uma prostituta, sorrindo para mim! Seu sorriso era uma miragem... uma promessa... uma mentira... uma ilusão, um engodo e um embuste!
Chegamos à praça Serzedelo Correia, 848. A famosa Praça dos Paraíbas. O apartamento onde eu iria morar, juntamente com Pedro, Pirão, George (um amigo de Pedro) e Maura, ficava no segundo andar. Era o 202.
O porteiro era um senhor gordo, baixo, paraibano. E havia outros. Chegamos, finalmente. Eu ia trabalhar na Banca de Jornal com Pedro, e com nosso cunhado, Veríssimo. Será um emprego difícil.
Ao lado desse endereço funcionava, nos finais de semana, uma boate gay. Vi muita presepada altas horas da noite na rua e na praça em frete!
Vi gangues de travestis correndo atrás de um homem, para espancá-lo! Vi homem fazendo sexo oral em outro homem, em um carro estacionado na rua! E todas as noites, quando eu chegava tarde, e ia dormir, fui assediado grosseiramente por gays e transexuais, que estavam distribuídos pelas ruas da praça dos Paraíbas!
Aquilo era uma “novidade” muito estranha para mim, um rapaz ingênuo, saído do interior do estado do Ceará.
Vez ou outra, quando sobrava algum dinheiro, eu ia ao Miami City, uma boate de Strip-Tease com lindas mulheres se exibindo como num sonho, acho que ficava na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, esquina com a praça dos Paraíbas! Você entrava..., comprava uma ficha..., entrava na cabine..., e assistia..., em um ambiente privado...., (havia até quem se masturbasse, no privativo de sua cabine, é claro!).
Um show de Strip-Tease, que era a coisa mais legal de se ver, quando se é homem, heterossexual, e sozinho! Que lindas eram aquelas garotas, tirando a roupa para mim... do outro lado do vidro!
Mas não passava disso! A gente via lindas mulheres nuas... numa passarela com luzes coloridas..., a poucos metros da gente... do outro lado de uma parede de vidro! Era incrível! Surreal! Hipnotizante!
Primeiramente a garota entrava no palco... rolava no chão... tirava o sutiã... depois, rolava no chão, fazia movimentos pélvicos... tirava a calcinha... para depois... rolar no chão novamente... pegar nos seios e... pegar na “perseguida”!
Parecia uma miragem maravilhosa! Uma sereia! Um anjo saído do Céu! Ou um Demônio saído do Inferno! Sim..., um demônio do Rio de Janeiro! Mas era só uma linda mulher... uma linda mulher desesperada por dinheiro... uma sereia... um anjo... fazendo um Strip-Tease ... para uma dúzia de homens sedentos e solitários... às dez horas da manhã... numa boate obscura de Copacabana!
O Miami City parecia uma catedral! E aquelas mulheres lindas e nuas as sacerdotisas! As sacerdotisas de Vênus, a Deusa grega do amor e do sexo!
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